sábado, 18 de dezembro de 2010

Caem as Máscaras

"(...) nada há encoberto, que não haja de ser descoberto; nem oculto, que não haja de ser conhecido. Porquanto tudo o que em trevas dissestes, à luz será ouvido; e o que falaste ao ouvido no gabinete, dos telhados será apregoado." Jesus (Lucas, 12:1-3)
 

 
WikiLeaks e a Guerra Cultural

Denis Russo Burgierman
14/12/2010 às 0:53
 
O mundo está vivendo uma guerra entre culturas. De um lado, a cultura da transparência. Do outro, a cultura do segredo. É isso que está em jogo na polêmica do WikiLeaks, que agitou o mundo nas últimas semanas e certamente vai continuar agitando por muito tempo mais.
 
As novas tecnologias da informação criaram a possibilidade de um nível de transparência antes impensável. Se não houvesse computadores ou internet, jamais alguém seria capaz de copiar e distribuir 250.000 documentos, como o Wikileaks acabou de fazer. Agora, informação voa e se reproduz infinitamente a custo zero.
 
Mas, ao mesmo tempo, houve um investimento tremendo em tecnologias de segurança. Pense num aeroporto atual. Pense na quantidade de senhas criptografadas que você precisa conhecer para sacar 10 reais no banco. Pense na quantidade de catracas, sensores e câmeras pelos quais você passa todo dia.
 
Obama fez da transparência um tema fundamental de sua presidência, ao ganhar a eleição baseando sua campanha eleitoral numa plataforma online aberta. Depois de eleito, ele fez circular um memorando endereçado a todos os chefes de departamento e de agências do governo federal. O assunto do memorando era "transparência e governo aberto". Ele determinava que sua administração estava comprometida a "criar um nível sem precedentes de abertura no governo", de forma a "fortalecer nossa democracia e promover eficiência e eficácia."
 
Realmente, mais abertura tende a estimular eficiência e eficácia. Se todas as decisões de todo mundo são registradas e disponibilizadas pela internet, e qualquer cidadão pode saber o que cada servidor público faz, isso tem pelo menos duas consequências. 1) os mal-intencionados tendem a ser desmascarados. Mas, mais importante: 2) os bem-intencionados poderão receber ajuda de fora, de alguém que conhece um jeito melhor de fazer as coisas.
 

Irônico que esse mesmo Obama tenha ido parar no lado oposto do debate, tentando encontrar algum instrumento legal que ajude a fechar o WikiLeaks e talvez até permitindo que seu governo trame com a justiça sueca para prender seu criador com base em acusações no mínimo polêmicas. Certamente decepcionou muita gente.
 
Mas eleger Obama (ou Hillary) como o vilão da história é uma distorção. O fato é que a maior parte das decisões realmente importantes do mundo inteiro ainda é tomada em segredo e mal explicada para as pessoas afetadas. Governos e grandes empresas discutem aquilo que realmente importa atrás de portas fechadas. E, no mundo inteiro, diplomacia envolve necessariamente uma dose altíssima de dissimulação: país nenhum diz em público aquilo que realmente quer (obviamente, uns países são mais confiáveis que outros).
 
O mundo seria melhor se houvesse menos segredo. A maior parte das injustiças do mundo tem em sua base uma assimetria de informação: numa relação entre duas partes, uma sabe mais do que a outra sobre os termos da relação. Isso aumenta a chance de essa parte se dar bem. Aumenta também a chance de sempre os mesmos se darem bem, porque têm mais acesso às salas fechadas.
 
Ou seja, se houvesse completa transparência, em todos os níveis, tudo seria mais justo. Pouca gente discorda disso. Por outro lado, ninguém é bobo de abrir mão de seus segredos unilateralmente. Todo mundo é a favor de transparência, mas ninguém quer começar. Por isso Obama está tão contrariado.
 
Na minha opinião, a guerra entre transparência e segredo é a grande questão do nosso tempo. E está longe de estar resolvida. Teremos cada vez mais transparência no mundo, turbinada por novas tecnologias. E, paradoxalmente, teremos também cada vez mais segredos. O mundo vai investir cada vez mais dinheiro em sistemas de segurança mais eficazes. Haverá uma epidemia de políticos querendo aprovar legislação restritiva, negando acesso a informação.
 
Meu palpite é que, com as tecnologias de informação avançando mais e mais, vai chegar o dia em que as tecnologias de segurança ficarão caras demais. Aí, manter segredo vai se tornar anti-econômico. Com isso, vai valer mais a pena fazer as coisas direito e ser transparente sobre elas. Mas talvez eu esteja só sendo otimista…
Por Denis Russo Burgierman

Fonte:
Veja
 

 
Reformulando

Denis Russo Burgierman
16/12/2010 às 15:35
 
Andei pensando mais no assunto do último post e cheguei à conclusão de que não me fiz claro o suficiente, como comprovam os comentários do Oswaldo e do sinisorsa, que leram no meu texto um monte de coisas que eu não escrevi. Achei que valia falar mais um pouquinho da polêmica do WikiLeaks, para me explicar melhor.
 
Primeiro: no fundo, no fundo, não tem nada de realmente avassalador nos documentos diplomáticos vazados. Embaixadores são seres humanos. Uns são inteligentes, interessantes. Outros são bestas quadradas. Nada daquilo é fato comprovado: são apenas opiniões de gente comum sobre os países do mundo, no geral formadas a partir de uma pesquisa medíocre. Eventualmente tem lá alguma informação interna reveladora, mas a grande maioria do conteúdo não surpreendeu ninguém. Os documentos vazados são apenas comunicações entre diplomatas americanos e Washington. Enfim, fofoca. Chavez é isso, Dilma é aquilo, Afeganistão é isso, China é aquilo. Em parte, isso explica o sucesso: as pessoas adoram fofocas. Virou uma espécie de BBB cujos personagens são os maiores líderes políticos do mundo. Quem não quer saber de uma fofoca sobre esse pessoal? Se envolver o Lula então, aí o povo faz a festa: a turma adora fofocas sobre o Lula (seja a favor ou contra, a audiência sempre dispara). Enfim: o conteúdo que está sendo vazado pelo WikiLeaks não é assim tão fundamentalmente importante, como aliás escreveu o Marcelo Coelho na Folha de ontem.
 
Segundo: o que é importante sim é o fato disso estar sendo vazado. Nascemos em um mundo acostumado às salas fechadas. É universalmente aceito o fato de que os diplomatas circulam numa esfera distante das vistas da população. Eles lidam com questões importantes, logo é de se esperar que o que eles discutem nas reuniões não tenham que ir parar nos ouvidos do mundo. É assim, sempre foi assim, espera-se que seja sempre assim. De repente uma tonelada dessas informações secretas vaza. Isso de repente muda dramaticamente as expectativas da população mundial. De uma hora para a outra, eu e você começamos a nos perguntar: "e se não fosse assim?". E se os debates fossem públicos? E se houvesse menos assimetria de informação? E se o cidadão da China, do Afeganistão, do Brasil ou da Suécia fossem claramente informados das opiniões dos Estados Unidos e vice-versa? Não seria melhor? Afinal, se não tem nenhuma grande surpresa nos documentos, se aquilo é assim tão banal, porque então classificar como "secreto"? Por que não abrir tudo? É essa a discussão que se coloca. (E vale dizer: acho sim que há argumentos legítimos contra a transparência em certas ocasiões, como muito bem escreveu o pesquisador de Harvard Lawrence Lessig num artigo clássico no ano passado – veja na página 26 desta revista digital.)
 
Terceiro: não estou defendendo o Assange nem atacando os Estados Unidos. Não defendo ditadores nem justifico a existência de hackers. Caramba, é incrível como a ideologia do esquerdo-direitismo (ou direito-esquerdismo, é a mesma coisa), aquele pensamento dos anos 80 que diz que o mundo é dividido entre bons e maus, está entranhada em qualquer debate. Não tenho menor interesse em defender ou atacar ninguém. Nem conheço esse pessoal. Só quero discutir os sistemas, as ideias, as mudanças que estão acontecendo no mundo. Isso sim é interessante.

Fonte: Veja

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