domingo, 14 de agosto de 2011

Lar da Bênção

Selecionei o trecho abaixo, do livro Entre a Terra e o Céu, onde André Luiz narra como acontece uma visita de familiares às crianças desencarnadas. Descreve o ambiente onde estas crianças ficam abrigadas para dar continuidade ao seu desenvolvimento e como se processam as lembranças desta visita após acordarmos.
 
Diversos livros narram cenários muito semelhantes, de modo que não é são necessárias mensagens pessoais para entendermos a situação em que se encontram nossos pequeninos após a partida. Assim como na Terra consideramos a infância uma fase merecedora de cuidados especiais, sem distinções, também na espiritualidade todas as crianças são merecedoras da mesmo acolhimento e carinho, indistintamente.
 
O afastamento também é menor do que imaginamos, pois as visitas são frequentes, como nos hospitais da Terra, não só pelo interesse dos familiares, mas da próprias crianças, que se sentem mais felizes ao receberem a visita das pessoas que ama, o que facilita o seu desenvolvimento.
 
Boas reflexões!
 
Ramon de Andrade
Palmares-PE
 

 
Deliciosa excursão
 
(...)
 
Entrelaçando as mãos e conservando nossas irmãs no circuito fechado de nossas forças, empreendemos a formosa romagem.
 
Quem na Terra poderá imaginar as deliciosas sensações da alma livre?
 
Viajando com a rapidez do pensamento, avançámos à frente da sombra noturna, largando para trás o deslumbramento da aurora, em colorido e cantante dilúculo...
 
Atingindo formosa paisagem, banhada de suave luz, em que um parque imponente e acolhedor se distendia, fixei o semblante de nossas companheiras, que se mostravam extáticas e felizes.
 
Dona Antonina, amparando-se em Clarêncio qual se fora uma filha apoiada nos braços paternos, inquiriu, maravilhada:
 
— Porque não transformar esta excursão em transferência definitiva? Pesa o corpo, à maneira de insuportável cruz de carne, quando conseguimos sentir a Terra, de longe...
 
— É verdade — concordou a outra irmã, que se sustentava em nós —, porque não nos é dado permanecer, olvidando os pesares e os dissabores do mundo?
 
— Compreendemos — ajuntou o Ministro, generoso —, compreendemos quanta inquietação punge o espírito reencarnado, mormente quando desperto para a beleza da vida superior, entretanto, é indispensável saibamos louvar a oportunidade de servir, sem jamais desmerecê-la.
 
Achamo-nos ainda distantes da redenção total e todos nós, com alternativas mais ou menos longas, devemos abraçar a luta na carne, de modo a solver com dignidade nossos velhos compromissos. Somos viajores nos milênios incessantes. Ontem fomos auxiliados, hoje nos cabe auxiliar.
 
Á medida que avançávamos, ondas de perfume acentuavam-se, em torno de nós, revigorando-nos as energias e induzindo-nos a respirar a longos sorvos.
 
Flores de contextura delicada pendiam abundantemente de árvores vigorosas, embalsamando as leves virações que sussurravam encantadoras melodias...
 
Como se trouxesse agora todo o busto engrinaldado de luz, Clarêncio sorria, bondoso.
 
Emudecera-se-lhe a palavra.
 
Sentiamo-nos todos magnetizados e enternecidos ante a beleza do quadro que nos prendia a admiração.
 
Antonina, porém, como se estivesse irradiando insopitável curiosidade, mesclada de alegria, voltou a exclamar:
 
— Ah! se morrêssemos hoje!... se a carne não nos pesasse mais!...
 
O Ministro, contudo, imprimindo mais grave entonação à voz, mas sem perder a brandura que lhe era peculiar, considerou, de imediato:
 
— Se hoje abandonassem o veículo de matéria densa, quem diz que seriam felizes? Quem de nós obterá a suprema ventura, sem a perfeita sublimação pessoal?
 
E, fitando Antonina com bondade misturada de compaixão, observou:
 
— Agora, vocês visitarão filhinhos abençoados que a morte lhes arrebatou temporàriamente ao convívio terrestre. Vocês se sentem como que num palácio dourado, em pleno paraíso de amor, mas, e os filhinhos que ficam? Haverá Céu sem a presença daqueles que amamos? Teremos paz sem alegria para os que moram em nosso coração? Imaginemos que as algemas do cárcere físico se partissem agora... O atormentado lar humano cresceria de vulto na saudade que as tomaria de assalto... A lembrança dos filhos aprisionados no Planeta acorrentá-las-ia ao mundo carnal, à maneira de forte raiz retendo a árvore no solo escuro. Os rogos e os gemidos, as lutas e as provas dos rebentos menos felizes da existência lhes falariam ao espírito mais imperiosamente que os cânticos de bem-aventurança dos filhos afortunados e, naturalmente, desceriam do Céu para a Terra, preferindo a posição de angustiadas servas invisíveis, trocando a resplendente glória da liberdade pelos dolorosos padecimentos da prisão, de vez que a ventura maior de quem ama reside em dar de si mesmo, a favor das criaturas amadas...
 
As duas mulheres ouviram as sensatas ponderações sem dizer palavra.
 
(...)
 
O firmamento parecia responder às sugestões da palestra admirável.
 
Bandos de aves mansas pousavam na ramaria que brilhava não longe de nós.
 
O Sol apresentava perceptíveis raios diferentes, até agora desconhecidos à apreciação comum na Terra, provocando indefiníveis combinações de cor e luz.
 
Por abençoada e colorida colmeia de amor, harmonioso casario surgiu ao nosso olhar.
 
Centenas de crianças brincavam entre fontes e flores de maravilhoso jardim.
 

 
No Lar da Bênção
 
Clarêncio movimentou a destra, indicando-nos o quadro sublime a desdobrar-se sob a nossa vista.
 
Doce melodia que enorme conjunto de meninos acompanhava, cantando um hino delicado de exaltação do amor materno, vibrava no ar.
 
Aqui e ali, sob tufos de vegetação verde-clara, muitas senhoras sustentavam lindas crianças nos braços.
 
É o Lar da Bênção — informou o instrutor, satisfeito. — Nesta hora, muitas irmãs da Terra chegam em visita a filhinhos desencarnados. Temos aqui importante colônia educativa, misto de escola de mães e domicílio dos pequeninos que regressam da esfera carnal.
 
O Ministro, porém, interrompeu-se, de improviso.
 
Nossas companheiras pareciam agora tomadas de jubilosa aflição.
 
Vimo-las desgarrar, de inopino, qual se fossem atraidas por forças irresistíveis, precipitando-se para os anjinhos que cantarolavam alegremente. Enquanto a que nos era menos conhecida enlaçava louro petiz, com infinito contentamento a expressar-se em lágrimas, dona Antonina abraçou um pequeno de formoso semblante, gritando, feliz:
 
— Marcos! Marcos!...
 
— Mãezinha! Mãezinha!... — respondeu a criança, colando-se-lhe ao peito.
 
Clarêncio fêz sinal para as irmãs vigilantes, que se responsabilizavam pelos entretenimentos no parque, como a solicitar-lhes proteção e carinho para as nossas associadas de excursão. (...)
 
(...)
 
Hilário, aderindo à renovação da palestra, indagou da irmã Blandina se ela era a dirigente do parque em que nos achávamos, ao que ela informou, com humildade:
 
— Não me atribua tamanho crédito. Tenho tarefas variadas aqui e alhures, entretanto, sou mera servidora. O nosso educandário guarda mais de duas mil crianças, mas, sob os meus cuidados, permanecem apenas doze. Somos um grande conjunto de lares, nos quais muitas almas femininas se reajustam para a venerável missão da maternidade e conosco multidões de meninos encontram abrigo para o desenvolvimento que lhes é necessário, salientando-se que quase todos se destinam ao retorno à Terra para a reintegração no aprendizado que lhes compete.
 
— E a direção central? — inquiriu meu colega, esmiuçador.
 
— Não reside aqui. O parque é uma das várias dependências de vasto estabelecimento de assistência e educação, do qual somos hoje tutelados. No fundo, nossa casa é uma larga escola, dotada com todos os recursos indispensáveis ao nosso aproveitamento. Os melhores processos de habilitação espiritual funcionam conosco, em benefício dos que vão renascer na carne e dos que se dirigirão, mais tarde, às Esferas Superiores.
 
— Mas possuem aqui até mesmo os cursos primários de alfabetização?
 
— Como não? – falou nossa jovem amiga – precisamos movimentar todas as medidas de despertamento espiritual ao nosso alcance. A cultura intelectual pode não ser condição básica de nossa felicidade, no entanto, é imperativo de engrandecimento de nossa alma. Quem não sabe ler, não sabe ver como deve.
 
(...)
 
A conversação era fascinante e as perguntas pareciam brilhar ainda, nos olhos de Hilário, maravilhado tanto quanto nós, ante as elucidações que recebia, mas a hora esgotara-se.
 
Um sinal de Clarêncio fêz-nos sentir que havíamos alcançado o momento da volta.
 

 
Estudando sempre
 
Às despedidas, retomámos as excursionistas sob a nossa guarda e, em pouco tempo, achávamo-nos, de novo, no caminho terrestre.
 
Da faixa de luz solar, tornámos à imersão na sombra noturna, mas o espetáculo do céu não diminuíra em beleza, porque as primeiras cores da alvorada tingiam o distanciado horizonte.
 
Clarêncio restituiu a companheira de Antonina ao lar, depois de afetuoso adeus. E, sem maiores delongas, demandámos o ninho doméstico de nossa amiga.
 
Antonina mostrava-se calada, tristonha...
 
Dir-se-ia teimava em permanecer, para sempre, junto do pequenino que a precedera na longa viagem da morte. Todavia, em penetrando o estreito santuário familiar, dirigiu-se apressadamente ao quarto, de coração novamente atraído para os outros filhinhos.
 
O Ministro, paternal, fê-la deitar-se e aplicou-lhe recursos magnéticos sobre os centros corticais. A mãezinha de Marcos demonstrou experimentar leve e doce vertigem...
 
Atendendo ao orientador, demorámo-nos em observação, notando que a Antonina de nossa maravilhosa viagem aderira ao corpo denso, qual se fora por ele sugada, à maneira de formosa mulher, de forma sutil e semilúcida, repentinamente engulida por bainha de sombra. Em se justapondo ao cérebro físico, perdera a acuidade mental com que se caracterizava junto de nós. Com a fisionomia calma e feliz, despertou no veículo pesado...
 
Contudo, Antonina não mais nos viu.
 
Era agora simplesmente a mulher humana, nas cobertas agasalhantes do leito, acomodada à escuridão do recinto.
 
Lembrava-se, sim, do passeio ao Lar da Bênção, mas através de impressões a se esfumarem, rápidas.
 
Só a imagem do filhinho, tema central do seu amor, lhe persistia clara e movimentada na memória...
 
Nossa presença e todas as demais particularidades do vôo sublime lhe acudiara à lembrança por acessórios fantásticos a se lhe perderem nos obscuros escaninhos da imaginação.
 
Como quem seleciona preciosidades, a consolada mãezinha procurava, ansiosa, nos arquivos da própria mente, todas as palavras que ouvira do filho abençoado, buscando retê-las no escrínio do coração. Por isso, das valiosas observações de Clarêncio, em poucos minutos não lhe restava na alma qualquer reminiscência.
 
Antonina movimentou-se, fêz luz e ouvimo-la pensar, vibrante: — Oh!  meu Deus, que alegria! pude vê-lo perfeitamente! quero guardar a recordação deste sonho divino!... Marcos, Marcos, que saudades, meu filho!...
 
O Ministro abeirou-se dela, acariciou-lhe a cabeça, como se a envolvesse em fluidos calmantes e a simpática senhora restabeleceu a sombra no recinto.
 
Abraçando a caçula que repousava ao seu lado, novamente dormiu.
 
Nossa amiga não poderá guardar positivas recordações — informou Clarêncio com atenção.
 
Mas, porquê? — indagou Hilário, admirado.
 
Raros Espíritos estão habilitados a viver na Terra, com as visões da vida eterna. A penumbra interior é o clima que lhes é necessário. A exata lembrança para ela redundaria em saudade morta!
 
— Como isso é lamentável! — alegou o meu companheiro, penalizado.
 
O Ministro todavia, explicou paciente:
 
— Cada estágio na vida se caracteriza por finalidades especiais. O mel é saboroso néctar para a criança, mas não deve ser ministrado indiscriminadamente. Reclama dosagem para não vir a ser importuno laxativo. O contacto com o reino espiritual, enquanto nos demoramos no envoltório terrestre, não pode ser dilatado em toda a extensão, para que nossa alma não afrouxe o interesse de lutar dignamente até o fim do corpo. Antonina lembrarse-á de nossa excursão mas de modo vago, como quem traz no campo vivo da alma um belo quadro de esbatidos contornos. Recordarse-á porém, do filhinho mais vivamente, o bastante para sentir-se reconfortada e convicta de que Marcos a espera na Vida maior. Semelhante certeza ser-lhe-á doce alimento ao coração.
 
Francisco Cândido Xavier
Ditado pelo espírito André Luiz
Capítulos 8 a 12

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