quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O mordomo infiel - parte 2

Amigo Ramon, bom dia.

 

Como estão você, Susana e Lucio? Espero que bem. Já faz algum tempo que não nos encontramos, não é?

 

Agradeço a sua menção de estudante assíduo, mas me encontro ainda na condição de leitor ocasional, tentando me esforçar por realmente estudar o evangelho, pois, tenho certeza que a solução para todos os problemas do nosso mundo se encontram ali. Nós é que não nos esforçamos por aprender a lição.

 

Esta sua colocação me pegou desprevenido. Devo confessar que tenho mais intimidade com o evangelho de Mateus e de João, e deixo muito a desejar em relação aos nossos queridos Marcos e Lucas. Porém não posso me esquivar de fazer uma análise desta passagem, mesmo que despretensiosa e humilde.

 

Mesmo antes de ler a passagem indicada por você (LC 16,1-9) não posso deixar de fazer comigo mesmo as seguintes conjecturas:

1)      Todos os evangelhos foram escritos após a morte de Jesus, entre os anos 65 e 90 da era cristã, desta forma é evidente que não foi o Mestre que os escreveu, sendo fruto das lembranças daqueles homens formidáveis que seguiram-No.

2)      Lucas e Marcos, em especial, não conheceram Jesus; então baseiam seus textos na transmissão oral dos ensinamentos que buscaram em diversas fontes (Pedro, João, Maria, Madalena entre outros) e também nas histórias populares sobre Jesus.

3)      Muitos dos textos originais foram escritos em aramaico, outros em coopta, vários em grego e poucos em latim, desta mistura de línguas ainda advieram diversas traduções no decorrer dos séculos e também as "pequenas" corruptelas ideológicas que a igreja acrescentou ou suprimiu de acordo com suas necessidades.

 

Digo isso porque, em verdade, nunca teremos certeza de estarmos lendo as verdadeiras palavras de Jesus na íntegra, somente no sentido(como disse Kardec); e, como já disse em algumas palestras minhas, existem parábolas que ainda hoje não consigo compreender, quer seja pela minha pequena evangelização ou porque ainda não tenho cultura suficiente para compreendê-las ou, ainda, porque não foram transcritas da maneira como foram ditas por Jesus ou, quem sabe, porque simplesmente não são para serem entendidas tão cedo, necessitando a humanidade de maior crescimento, não é?

 

Independente de qualquer fator que seja, o texto apresentado por você é realmente intrigante. Tomei a liberdade de fazer uma comparação entre o trecho do seu e-mail e outros dois evangelhos que tenho em casa. Notei, certamente, que o sentido é o mesmo, mas que algumas palavras foram traduzidas de forma diferente entre os textos. Isso auxilia na compreensão de alguns trechos, pois temos outros sentidos para interpretar e, assim, tentar arrumar as peças do quebra-cabeça, compreende?

 

Fazendo uma análise crua do texto em si, e com base na minha posição pessoal, posso dizer que:

-         No início do texto aparece a expressão "foi acusado", esta expressão não é bem definida, pois não fica claro se foi uma acusação justa ou injusta. Da mesma forma que não fica expresso que o homem rico tenha realmente notado qualquer irregularidade na gestão dos seus bens por parte do mordomo.

-         Quando lemos a expressão "cavar, não posso" dá-nos a entender que ele não queria trabalhar braçalmente  por vergonha, orgulho ou incapacidade; em outra tradução encontrei "cavar, não tenho forças" o que nos explica que o mordomo era uma pessoa idosa, que não teria possibilidades de iniciar novamente uma vida de trabalho com outro senhor e, com os anos, ganhar sua confiança para adquirir novamente o cargo de gestor; provavelmente ele tinha a certeza que restavam poucos anos de vida para ele.

-         O fato dele ter decrescido as contas dos devedores é muito interessante porque nos abre a porta de muitas conjecturas.Uma é que ele enganou o homem rico para conseguir favores de seus amigos, outra é que ele tenha retirado os "juros" das dívidas para se beneficiar com os amigos, ou ainda que ele possa ter ficado com as diferenças para ele se beneficiar. De qualquer forma ele tem a certeza que quando for destituído do cargo de mordomo será bem recebido por aquelas pessoas que beneficiou, pois criou um laço de gratidão e de ajuda para com elas.

-         Mais abaixo o homem rico louva a atitude do mordomo "por haver procedido prudentemente", ou como encontrei em outra tradução "com sagacidade"; estes são dois sentidos divergentes dados pelas traduções, pois de acordo com o dicionário Aurélio Prudência é 1.Qualidade de quem age com moderação, comedimento, buscando evitar tudo o que acredita ser fonte de erro ou de dano.
2.Cautela, precaução; e sagacidade é 1.Agudeza ou sutileza de espírito; perspicácia.
2.Finura, manha, astúcia, malícia; Assim quando lemos que o  homem achou prudente a atitude do mordomo podemos chegar a algumas conclusões, sendo uma que tudo não passou de um teste e que ele viu que o mordomo não o prejudicou e ainda fez um débito de amizade com os credores; outra que mesmo se sentindo prejudicado o homem não deixou de admirar a inteligência e atitude do mordomo que criou uma saída para sua futura mendicância, ou ainda outras.

-         Seguindo o texto encontramos palavras que são atribuídas a Jesus quando diz "e EU vos digo: granjeai amigos com as riquezas da injustiça, para que quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos" – e é curioso ver estas palavras vindas do Mestre, mas em uma leitura mais apurada do texto, no capítulo anterior e nos versículos seguintes, notaremos que estas palavras foram dirigidas diretamente aos fariseus "que eram avarentos". Aí muda a perspectiva da figura do texto. Pois sendo assim Jesus está claramente se referindo a má administração dos recursos do templo(recursos destinados a Deus) por parte dos fariseus. No meu entender ele está demonstrando que Deus(o homem rico) deu aos fariseus(os mordomos) o poder de decisão e uso de seus bens materiais(riquezas do templo e influência social e política) que eles abusaram e utilizaram apenas para seu próprio benefício(pois eram avarentos – do Aurélio: Que tem avareza, que é sórdido e excessivamente apegado ao dinheiro) não utilizando nem para auxiliar a si mesmos no dia da cobrança(dia do juízo) porque se tivessem utilizado estes recursos para fazerem amigos e criar favores entre os homens(como o mordomo da parábola) teriam algumas pessoas que poderiam tentar interceder por eles na hora final, pois os teriam "recebido nos tabernáculos eternos" (tabernáculo – local de maior importância do templo, onde se adorava diretamente a Deus; templo – o verdadeiro tempo é o homem; Jesus nos disse(através da mulher samaritana) que o local onde ainda se adorará a Deus não é no templo nem no monte garizin, e sim no coração de cada um) então o tabernáculo eterno é o coração(sentimento de gratidão e reconhecimento) dos que foram favorecidos/auxiliados pelas riquezas, mesmo que advindas da injustiça, dá para entender?

-         Ainda seguindo o texto encontramos "pois se nas riquezas injustas não fostes fieis, quem vos confiará as verdadeiras" que fica como um aviso para os fariseus e também para nós: se no que não lhe pertence você foi infiel e não tomou o devido cuidado(porque se supõe que nós devamos ter maior cuidado com o que nos é dado emprestado que com nossas próprias coisas, não é?), qual o mérito que você tem para receber a riqueza que é sua de verdade?(Necessitamos ainda crescer e desenvolver-nos espiritual e moralmente para compreender as verdadeiras riquezas que nos estão reservadas no reino dos céus e, então, podermos recebê-las para utilizar com sabedoria)

 

Então, no meu pequeno entender, quando lemos a expressão "porque os filhos deste mundo são mais prudentes para com a sua geração(outra tradução) do que os filhos da luz" acredito que o Mestre se referia ao uso que pode ser feito dos recursos materiais por parte da maioria de nós  para beneficiar a nós e também a outras pessoas que nos cercam, diferentemente do que os fariseus (que se achavam puros e eleitos, portanto filhos da luz) que apenas utilizavam o seu conhecimento e riqueza egoisticamente para si mesmos. Porque, mesmo que em tudo que façamos existam interesses particulares, qualquer benefício que advenha destas riquezas em prol de nosso próximo já é crédito em nosso favor, quando que se apenas nós nos beneficiamos estamos nos afundando cada vez mais em resgates sem o auxílio da gratidão e da oração de ninguém em nosso auxílio.

 

Espero que tenha sido claro na minha colocação (que de tão extensa parece um jornal): esta parábola nos fala sobre o uso do dinheiro, e dos recursos que tenhamos, em nosso benefício e em benefício do nosso próximo;  mas esta ainda é apenas uma interpretação no meio de milhões que podem existir por aí.

 

Muita Paz.
João Batista Sobrinho
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3 comentários:

  1. Amigo João,

    Não tenha dúvida: uma boa aula de história como essa sempre ajuda.

    De fato, as palavras de Jesus atravessaram um longo e escorregadio "telefone-sem-fio" através dos tempos. E me impressiona muito que tenha chagado aos nossos dias com esta saúde moral, havendo passado por tantas mãos e interesses os mais contraditórios. Mas não dá mesmo pra analisar palavra por palavra sem se perder pelo caminho, sendo bem mais interessante tentar penetrar a essência de seus ensinamentos.

    Depois de suas pinceladas históricas, parece mesmo estar claro que ele tenha se dirigido aos fariseus e burocratas da fé daquela época. É que tenho uma mania, boa eu acho, de tomar todas as palavras do evangelho como se fossem digiridas a mim mesmo. Daí, fiquei pensando como poderia fazer bom proveito de riquezas injustas, que no mundo moderno sempre acabamos associando a corrupção, rapinagem, etc, das quais tentamos nos manter bem distantes, entende?

    De qualquer modo, acho muito interessante trazer os evangelhos para o centro de nossas discussões e reflexões diárias, por dizerem respeito ao que de fato nos interessa compreender em nossa experiência terrena.

    Obrigado pelos esclarecimentos, pelas contribuições ao nosso BLOG e parabéns pela inspiradora militância que tenho tentado reunir forças para imitar.

    Aquele abraço!

    Ramonde Andrade
    raesa@ig.com.br
    Palmares-PE

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  2. Concordo quando você coloca as palavras do evanhelho para sí mesmo, em realidade elas são para nós mesmos.

    Quantas vezes não agimos hoje, ou ontem, como modernos fariseus tentando levar vantagens em pequenas ou grandes coisas? Acho que o sentido do texto é que, mesmo em agindo errado, busquemos cobrir os nossos erros com algo de bom que venha dele.

    Lembro, ainda, que todos somos humanos e, por consequência, imperfeitos. O erro faz parte de nosso processo de aprendizado que nos lapida e prepara para administrarmos, num futuro, os bens reais que adquirimos com nosso próprio mérito.

    Abraços

    João Batista Sobrinho
    vbjoao2@gmail.com

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  3. Amigo João,

    Ainda sobre o mordomo infiel, encontrei uma exemplificação prática que pode ser pertinente. No melhor estilo "se a carapuça serve, use-a", mas com boas chanches de ser uma representação fiel do que Jesus tenha tentado dizer com a parábola.

    No livro Nosso Lar, André Luiz narra que após seu acolhimento na colônia, passado o período mais crítico de recuperação, foi submetido a uma triagem de sua vida terrena, para fazer um balanço de seus merecimentos a partir de seus atos na vida física.

    Foi-lhe trazido um tipo de pasta de arquivo, em que seu orientador pôde verificar que haviam intercessões de outros espíritos em seu benefício. Ao perguntar de quem se tratavam estes espíritos, seu orientador respondeu que foram pacientes a quem ele havia atendido eventualmente em sua clínica, de forma gratuita.

    André Luiz ficou surpreso com a revelação, pois já nem se lembrava direito destas consultas. Recordava, isso sim, de havê-las prestado com o interesse de serem reconhecidas socialmente como atitudes filantrópicas, para que todos reconhecessem nele um homem de bem.

    Ainda assim, a despeito de suas segundas intenções, os beneficiários, mesmo após desencarnarem, continuaram orando por ele, gratos pelo gesto gracioso do renomado médico carioca.

    Esta passagem do livro é muito interessante e, a meu ver, se encaixa perfeitamente na parábola do mordomo infiel, quando Jesus recomenda "Granjeai amigos com as riquezas da injustiça; para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos", como se dissesse, em outras palavras, que nenhum gesto de bondade ou de misericórdia é perdido, por menor que ele pareça a quem o faz. Independentemente até mesmo de sua intenção, uma vez André Luiz, assim como o mordomo infiel, visava um benefício próprio e imediato, sem imaginar que seria alvo mais tarde de um benefício bem maior: a gratidão das almas a quem havia atendido num momento de necessidade.

    Bem, talvez só Jesus saiba se foi isso mesmo que ele quiz dizer com a parábola, mas que cauiu como luva, caiu, né verdade :-D

    Aquele abraço e até mais!

    Ramon de Andrade
    raesa@ig.com.br
    Palmares-PE

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