sábado, 17 de setembro de 2011

Creches do Além

"Prezados, (...)  a infância não faz sentido para o espírito. É uma necessidade do encarnado. Quando um espírito se vê como criança ele está com uma mono-ideia, um atavismo, uma fixação. E na primeira oportunidade tal ideia se desfaz. Claro, às vezes isso leva algum tempo (...). Por isso, em obras espíritas, não vemos crianças no plano espiritual a não ser em situações bem específicas. (...) Segundo o Espiritismo, as crianças não continuam crescendo no pano espiritual 'como fariam na terra'. Caímos nessas ideias porque é muito 'fofo' pensar em 'corais de crianças nos recebendo na hora do desencarne', de 'escolas de jardim da infância'. (...) Se nos aparecem em sonhos como criança, é a forma como queremos vê-los. (...) um breve estudo nas obras espíritas confirmam facilmente essa questão. (...) Felicidades! Atenciosamente" Guilherme.



Olá, Guilherme!
 
Quanto à situação das crianças após a morte, há muitos detalhes a considerar.

Neste, como em muitos outros temas, Kardec foi sucinto, lançando as cores básicas para serem desdobradas mais tarde em muitos matizes.

De fato, a infância não é uma condição para o espírito desencarnado, mas sim uma situação transitória, que perdura por um tempo proporcional ao amadurecimento do espírito, como você diz.
 
Porém, se não é uma condição, também não é apenas uma ilusão da mente desses espíritos ou dos pais que assim os vêem. Em muitas das mensagens familiares recebidas por Chico Xavier, há referências claras a abrigos e escolas dedicadas a acolher e velar pelo desenvolvimento das crianças desencarnadas, pelo tempo que se fizer necessário a cada uma delas.

Nos casos de mensagens sucessivas do mesmo espírito, é possível inclusive perceber esse desenvolvimento, através da linguagem e da complexidade do raciocínio desenvolvido pelo comunicante.
 
Não tenho experiência de sala mediúnica, mas sei que os exemplos que você citou são verdadeiros. Acredito que aqueles espíritos ali despertados são conduzidos à reunião justamente por haver chegado o momento certo deles se depararem com esta revelação, de acordo com os critérios muito bem empregados pelos mentores.

Isso porém não elimina as situações intermediárias em que o espírito precisa dos cuidados infantis adequados à sua capacidade de compreensão, conforme relatos bem documentados na literatura espírita.
 
Selecionei os trechos abaixo, do livro Entre a Terra e o Céu, onde André Luiz narra como acontece uma visita de familiares às crianças desencarnadas. Descreve o ambiente onde estas crianças ficam abrigadas para dar continuidade ao seu desenvolvimento e como se processam as lembranças desta visita após acordarmos.
 
Diversos livros narram cenários muito semelhantes, descrevendo com riqueza de detalhes a situação em que se encontram os pequeninos após a partida. Assim como na Terra consideramos a infância uma fase merecedora de cuidados especiais, sem distinções, também na espiritualidade todas as crianças são merecedoras da mesmo acolhimento e carinho, indistintamente.
 
O afastamento também é menor do que imaginamos, pois as visitas são frequentes, como nos hospitais da Terra, não só pelo interesse dos familiares, mas das próprias crianças, que se sentem mais felizes ao receberem a visita das pessoas que ama, o que facilita o seu desenvolvimento.

Editei o texto, fazendo alguns (...cortes...) e grifos, de modo a manter o foco sobre o tema e enfatizar as passagens mais relevantes. Mas recomendo a leitura integral dos capítulos 8 a 12 do livro, muito esclarecedores, como todos os demais relatos do repórter André Luiz.

Boas reflexões!
 
Ramon de Andrade
Palmares-PE
 

 
Deliciosa excursão
 
(...)
 
Viajando com a rapidez do pensamento, avançámos à frente da sombra noturna, largando para trás o deslumbramento da aurora, em colorido e cantante dilúculo...
 
Atingindo formosa paisagem, banhada de suave luz, em que um parque imponente e acolhedor se distendia, fixei o semblante de nossas companheiras, que se mostravam extáticas e felizes.
 
(...)
 
Á medida que avançávamos, ondas de perfume acentuavam-se, em torno de nós, revigorando-nos as energias e induzindo-nos a respirar a longos sorvos.
 
Flores de contextura delicada pendiam abundantemente de árvores vigorosas, embalsamando as leves virações que sussurravam encantadoras melodias...
 
(...)
 
E, fitando Antonina com bondade misturada de compaixão, observou:
 
— Agora, vocês visitarão filhinhos abençoados que a morte lhes arrebatou temporàriamente ao convívio terrestre.

(...)
 
Por abençoada e colorida colmeia de amor, harmonioso casario surgiu ao nosso olhar.
 
Centenas de crianças brincavam entre fontes e flores de maravilhoso jardim.
 

 
No Lar da Bênção
 
Clarêncio movimentou a destra, indicando-nos o quadro sublime a desdobrar-se sob a nossa vista.
 
Doce melodia que enorme conjunto de meninos acompanhava, cantando um hino delicado de exaltação do amor materno, vibrava no ar.
 
Aqui e ali, sob tufos de vegetação verde-clara, muitas senhoras sustentavam lindas crianças nos braços.
 
É o Lar da Bênção — informou o instrutor, satisfeito. — Nesta hora, muitas irmãs da Terra chegam em visita a filhinhos desencarnados. Temos aqui importante colônia educativa, misto de escola de mães e domicílio dos pequeninos que regressam da esfera carnal.
 
O Ministro, porém, interrompeu-se, de improviso.
 
Nossas companheiras pareciam agora tomadas de jubilosa aflição.
 
Vimo-las desgarrar, de inopino, qual se fossem atraidas por forças irresistíveis, precipitando-se para os anjinhos que cantarolavam alegremente. Enquanto a que nos era menos conhecida enlaçava louro petiz, com infinito contentamento a expressar-se em lágrimas, dona Antonina abraçou um pequeno de formoso semblante, gritando, feliz:
 
— Marcos! Marcos!...
 
— Mãezinha! Mãezinha!... — respondeu a criança, colando-se-lhe ao peito.
 
Clarêncio fêz sinal para as irmãs vigilantes, que se responsabilizavam pelos entretenimentos no parque, como a solicitar-lhes proteção e carinho para as nossas associadas de excursão. (...)
 
(...)
 
Hilário, aderindo à renovação da palestra, indagou da irmã Blandina se ela era a dirigente do parque em que nos achávamos, ao que ela informou, com humildade:
 
— Não me atribua tamanho crédito. Tenho tarefas variadas aqui e alhures, entretanto, sou mera servidora. O nosso educandário guarda mais de duas mil crianças, mas, sob os meus cuidados, permanecem apenas doze. Somos um grande conjunto de lares, nos quais muitas almas femininas se reajustam para a venerável missão da maternidade e conosco multidões de meninos encontram abrigo para o desenvolvimento que lhes é necessário, salientando-se que quase todos se destinam ao retorno à Terra para a reintegração no aprendizado que lhes compete.
 
— E a direção central? — inquiriu meu colega, esmiuçador.
 
— Não reside aqui. O parque é uma das várias dependências de vasto estabelecimento de assistência e educação, do qual somos hoje tutelados. No fundo, nossa casa é uma larga escola, dotada com todos os recursos indispensáveis ao nosso aproveitamento. Os melhores processos de habilitação espiritual funcionam conosco, em benefício dos que vão renascer na carne e dos que se dirigirão, mais tarde, às Esferas Superiores.
 
Mas possuem aqui até mesmo os cursos primários de alfabetização?
 
Como não? – falou nossa jovem amiga – precisamos movimentar todas as medidas de despertamento espiritual ao nosso alcance. A cultura intelectual pode não ser condição básica de nossa felicidade, no entanto, é imperativo de engrandecimento de nossa alma. Quem não sabe ler, não sabe ver como deve.
 
(...)
 
A conversação era fascinante e as perguntas pareciam brilhar ainda, nos olhos de Hilário, maravilhado tanto quanto nós, ante as elucidações que recebia, mas a hora esgotara-se.
 
Um sinal de Clarêncio fêz-nos sentir que havíamos alcançado o momento da volta.
 

 
Preciosa Conversação

(...)
 
Hilário, que acompanhava a conversação com extremo interesse, considerou:
 
— Antigamente, na Terra, conforme a teologia clássica, supúnhamos que os inocentes, depois da morte, permaneciam recolhidos ao descanso do limbo, sem a glória do Céu e sem o tormento do inferno, e, nos últimos tempos, com as novas concepções do Espiritualismo, acreditávamos que o menino desencarnado retomasse, de imediato, a sua personalidade de adulto...
 
Em muitas situações, é o que acontece — esclareceu Blandina, afetuosa —; quando o Espírito já alcançou elevada classe evolutiva, assumindo o comando mental de si mesmo, adquire o poder de fàcilmente desprender-se das imposições da forma, superando as dificuldades da desencarnação prematura. Conhecemos grandes almas que renasceram na Terra por brevíssimo prazo, simplesmente com o objetivo de acordar corações queridos para a aquisição de valores morais, recobrando, logo após o serviço levado a efeito, a respectiva apresentação que lhes era costumeira Contudo, para a grande maioria das crianças que desencarnam, o caminho não é o mesmo. Almas ainda encarceradas no automatismo inconsciente, acham-se relativamente longe do auto-governo. Jazem conduzidas pela Natureza, à maneira das Criancinhas no colo maternal. Não sabem desatar os laços que as aprisionam aos rígidos princípios que orientam o mundo das formas e, por isso, exigem tempo para se renovarem no justo desenvolvimento. É por esse motivo que não podemos prescindir dos períodos de recuperação para quem se afasta do veículo físico, na fase infantil, de vez que, depois do conflito biológico da reencarnação ou da desencarnação, para quantos se acham nos Primeiros degraus da conquista de poder mental, o tempo deve funcionar como elemento indispensável de restauração. E a variação desse tempo dependerá da aplicação pessoal do aprendiz à aquisição de luz interior, através do próprio aperfeiçoamento moral.
 
Encantávamos as exposições claras e simples de nossa interlocutora, cuja palavra tangia com tanta felicidade graves problemas da vida.
 
Em suas fórmulas verbais singelas e acessíveis, penetrávamos inquietantes enigmas da puericultura.
 
Blandina sabia associar a compreensão e a graça, instruindo-nos com discernimento.
 
(...)
 

Estudando sempre
 
Às despedidas, retomámos as excursionistas sob a nossa guarda e, em pouco tempo, achávamo-nos, de novo, no caminho terrestre.
 
Da faixa de luz solar, tornámos à imersão na sombra noturna, mas o espetáculo do céu não diminuíra em beleza, porque as primeiras cores da alvorada tingiam o distanciado horizonte.
 
Clarêncio restituiu a companheira de Antonina ao lar, depois de afetuoso adeus. E, sem maiores delongas, demandámos o ninho doméstico de nossa amiga.
 
Antonina mostrava-se calada, tristonha...
 
Dir-se-ia teimava em permanecer, para sempre, junto do pequenino que a precedera na longa viagem da morte. Todavia, em penetrando o estreito santuário familiar, dirigiu-se apressadamente ao quarto, de coração novamente atraído para os outros filhinhos.
 
O Ministro, paternal, fê-la deitar-se e aplicou-lhe recursos magnéticos sobre os centros corticais. A mãezinha de Marcos demonstrou experimentar leve e doce vertigem...
 
Atendendo ao orientador, demorámo-nos em observação, notando que a Antonina de nossa maravilhosa viagem aderira ao corpo denso, qual se fora por ele sugada, à maneira de formosa mulher, de forma sutil e semilúcida, repentinamente engulida por bainha de sombra. Em se justapondo ao cérebro físico, perdera a acuidade mental com que se caracterizava junto de nós. Com a fisionomia calma e feliz, despertou no veículo pesado...
 
Contudo, Antonina não mais nos viu.
 
Era agora simplesmente a mulher humana, nas cobertas agasalhantes do leito, acomodada à escuridão do recinto.
 
Lembrava-se, sim, do passeio ao Lar da Bênção, mas através de impressões a se esfumarem, rápidas.
 
Só a imagem do filhinho, tema central do seu amor, lhe persistia clara e movimentada na memória...
 
Nossa presença e todas as demais particularidades do vôo sublime lhe acudiara à lembrança por acessórios fantásticos a se lhe perderem nos obscuros escaninhos da imaginação.
 
Como quem seleciona preciosidades, a consolada mãezinha procurava, ansiosa, nos arquivos da própria mente, todas as palavras que ouvira do filho abençoado, buscando retê-las no escrínio do coração. Por isso, das valiosas observações de Clarêncio, em poucos minutos não lhe restava na alma qualquer reminiscência.
 
Antonina movimentou-se, fêz luz e ouvimo-la pensar, vibrante: — Oh!  meu Deus, que alegria! pude vê-lo perfeitamente! quero guardar a recordação deste sonho divino!... Marcos, Marcos, que saudades, meu filho!...
 
O Ministro abeirou-se dela, acariciou-lhe a cabeça, como se a envolvesse em fluidos calmantes e a simpática senhora restabeleceu a sombra no recinto.
 
Abraçando a caçula que repousava ao seu lado, novamente dormiu.
 
Nossa amiga não poderá guardar positivas recordações — informou Clarêncio com atenção.
 
Mas, porquê? — indagou Hilário, admirado.
 
Raros Espíritos estão habilitados a viver na Terra, com as visões da vida eterna. A penumbra interior é o clima que lhes é necessário. A exata lembrança para ela redundaria em saudade morta!
 
— Como isso é lamentável! — alegou o meu companheiro, penalizado.
 
O Ministro todavia, explicou paciente:
 
— Cada estágio na vida se caracteriza por finalidades especiais. O mel é saboroso néctar para a criança, mas não deve ser ministrado indiscriminadamente. Reclama dosagem para não vir a ser importuno laxativo. O contacto com o reino espiritual, enquanto nos demoramos no envoltório terrestre, não pode ser dilatado em toda a extensão, para que nossa alma não afrouxe o interesse de lutar dignamente até o fim do corpo. Antonina lembrarse-á de nossa excursão mas de modo vago, como quem traz no campo vivo da alma um belo quadro de esbatidos contornos. Recordarse-á porém, do filhinho mais vivamente, o bastante para sentir-se reconfortada e convicta de que Marcos a espera na Vida maior. Semelhante certeza ser-lhe-á doce alimento ao coração.
 
Francisco Cândido Xavier
Ditado pelo espírito André Luiz
Capítulos 8 a 12

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