quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Visão Panorâmica

Aquele que iniciou grandes trabalhos com uma finalidade útil e que os vê interrompidos pela morte lamenta tê-los deixado por acabar?
 
Não, porque vê que os outros estão destinados a concluí-los. Ao contrário, trata de influenciar outros Espíritos humanos a continuá-los. Seu objetivo, na Terra, era o bem da Humanidade; esse objetivo é o mesmo, no mundo dos Espíritos.
 
Aquele que deixou trabalhos de arte ou de literatura conserva pelas suas obras o amor que tinha durante a vida?
 
Segundo sua elevação, julga-as de outra maneira e freqüentemente reprova o que mais admirava.
 
O Livro dos Espíritos
Questões 314/315
 

 
O DOUTOR XAVIER. SOBRE DIVERSAS QUESTÕES PSICO-FISIOLÓGICAS
 
Um médico de grande talento, que designaremos pelo nome de Xavier, morto há alguns meses, e que muito se ocupou com o Magnetismo, havia deixado um manuscrito destinado, pensava ele, a fazer uma revolução na ciência. Antes de morrer, havia lido O Livro dos Espíritos e desejado pôr-se em relação com o autor. A doença, com a qual sucumbiu, não lhe deixou tempo para isso. Sua evocação ocorreu a pedido de sua família, e as respostas, eminentemente instrutivas, que ela contém, nos animou a dela inserir um extrato, na nossa coletânea, suprimindo tudo o que é de interesse privado.

Lembrai-vos do manuscrito que haveis deixado?
Ligo-lhe pouca importância.

Qual é a vossa opinião atual sobre esse manuscrito?
Obra vã de um ser que ignorava a si mesmo.

Pensais, todavia, que essa obra poderia fazer uma revolução na ciência?
Vejo muito claro agora.

Poderíeis, como Espírito, corrigir e acabar esse manuscrito?
Parti de um ponto que mal conheço. Talvez, seria preciso refazer tudo.
 
(...)
 
Revista Espírita
1858

Travessia

"O corpo, freqüentemente, sofre mais durante a vida que no momento da morte; neste, a alma nada sente. Os sofrimentos que às vezes se provam no momento da morte são um prazer para o Espírito, que vê chegar o fim do seu exílio. (...) a alma se desprende gradualmente e não escapa como um pássaro cativo subitamente libertado. Os dois estados se tocam e se confundem, de maneira que o Espírito se desprende pouco apouco dos seus liames; estes se soltam e não se rompem."
 
O Livro dos Espíritos
Separação da Alma e do Corpo
Itens 154/155
 

 
A  morte  de  Ivan  Ilitch
de  Leon  Tolstói
 

Ivan Ilitch é um juiz que vive na Rússia czarista da segunda metade do século XIX. Ele é o personagem central de um conto de León Tolstói (2001) que tem como tema a experiência do adoecer  e do morrer, a partir da vivência do enfermo. I. Ilitch levava uma vida burguesa, dividindo seu tempo  entre o trabalho, o convívio com a família  e  o  jogo  regular  com  os  amigos.  Uma  vida  sem  muitos  sobressaltos  ou dificuldades, até que um dia começa a sentir uma dor no baixo ventre, do lado direito. A dor, que parecia algo passageiro e sem importância, não só persiste como vai aumentado com o passar do tempo. E, resiste aos tratamentos médicos da época. Junto com a dor, o emagrecimento e uma  crescente deterioração física. Progressivamente, Ivan Ilitch vai tomando consciência da gravidade do  seu quadro  e do quanto sua antiga vida  vai ficando cada vez mais para trás. À medida que o conto avança, somos arrastados, por Tolstói,  a  compartilhar  o  sofrimento  do  personagem.  Sem  nos  darmos  contas,  aos poucos começamos a olhar os outros personagens, o médico, a família e os amigos, com os olhos do doente. Tolstói, com sua genialidade, nos leva a ocupar "o lugar do doente". A experimentar "estar doente".

 

Este lugar do doente, que vamos compartilhando progressivamente, é um lugar terrível por várias razões que se alimentam e se reforçam mutuamente, criando um campo de sofrimento insuportável. Primeiro, pela dor física contínua e crescente, sem trégua. Depois, pela perda de autonomia. A rotina do trabalho que não mais é possível manter, os jogos com os amigos que vão escasseando e, o convívio com a família, que já não era muito bom, vai se tornando cada vez mais distante. Perda de controle sobre o modo de viver a vida. Mas o sofrimento de Ivan Ilitch não pára por aqui. Além da dor e da perda da autonomia, o doente vive o tormento do medo da morte. A morte  vai assumindo  uma  materialidade  tal  que,  em  dado  momento,  passa  a  ser  quase  uma presença  física.  Ele  passa  a  conviver  com  a  presença  da  morte.  Dor,  perda  de autonomia, medo da morte vividos na mais absoluta sensação de desamparo e solidão.

 

Mas, o pior de tudo, é a incomunicabilidade com os outros. Ninguém parece entender o que ele está vivendo. Os médicos, porque insistem em um linguajar técnico, preocupados em encontrar um  diagnóstico da doença e a terapia correspondente. A mulher e os filhos expressam pena e culpa ao vê-lo naquela situação. Ele sabe que é um estorvo para a família. Mas, o pior, é que ele sabe que todos mentem, que todos fingem não ver o agravamento da sua situação. Seus encontros com o espelho são dramáticos. Quase insuportáveis. A imagem que vê em nada faz lembrar o homem que era antes. Ele inveja a vitalidade e autonomia dos que não estão doentes. Um mundo que lhe parece cada dia mais distante.

 

Tal é a situação quando entra um novo personagem em cena. Guerássim, um serviçal,  mujique (o camponês russo), analfabeto, é designado para ajudar o patrão quando ele já não consegue mais se cuidar sozinho nas atividades diárias. Guerássim faz a higiene de I. Ilitch quando ele vai ao banheiro, ajuda-o a se levantar e se acomodar na cadeira ou na cama, lhe traz a comida, ajuda no banho e no desempenho de todas as atividades cotidianas corriqueiras. Atividades que nos parecem tão triviais, mas que, quando estamos doentes, debilitados ou com alguma incapacidade física ou limitação de movimentos,  nos  parecem  tão   dramáticas.  Tão  dramaticamente  impossíveis.  Tão denunciadoras da nossa perda de autonomia.

 

Ivan Ilitch descobriu, por conta própria, que deixar as pernas em posição mais alta, descansando sobre uma almofada, lhe traz algum alívio para a dor. Um dia, como a dor não havia cedido o bastante com a elevação proporcionada pela almofada, pensa em experimentar usar duas. Pede a  Guerássim que levante suas pernas para colocar mais uma. O empregado atende ao seu pedido. Ilitch descobre, então, que a dor praticamente desaparece quando as pernas são levantadas pelo serviçal. Ele  pede que Guerássim mantenha as pernas bem erguidas mais um pouco. Este, experimenta pousar ou apóia- las em seu ombro. A sensação de alívio vivida por Ilitch é maravilhosa. Como se fora uma  primeira "intervenção terapêutica" eficaz. Algo que, mesmo paliativamente, lhe trazia alguma trégua em relação à dor.

 

A cena passa a se repetir nos dias subseqüentes. O ato de colocar as pernas de Ilitch no ombro de Guerássim vai construindo uma intimidade inimaginável entre um senhor  e  um  servo  na  Rússia  czarista  do  século  XIX.  Em  um  dado  momento,  o empregado passa a tratá-lo por tu. Um  dia, Ilitch preocupado com o desconforto do servo, pergunta-lhe se ele não se cansava e se não se  importava de manter as pernas naquela  posição  durante  toda  a  noite.  Diante  de  tal  interrogação,  Guerássim  lhe responde: "Se não estivesses doente, seria outra conversa; mas, no estado em que estás, por que não te ajudar um pouco?". Progressivamente, o servo dava mostras de ser o único  que  não  mentia  e  tudo  indicava  que  também  era  o  único  a  compreender plenamente o que se passava e  não considerava necessário oculta-lo. "Singelamente condoia-se do patrão tão fraco e esquelético". Um dia, incitado a ir descansar, disse com toda franqueza: "todos nós temos que morrer um dia. Por que não me sacrificar um pouco agora?". Disse, explicitamente, que não considerava um fardo tratar de um moribundo e confiava que mereceria o mesmo quando chegasse a sua vez. Pela primeira vez,  alguém  não  lhe  mentia.  "O  que  atormentava  Ivan  Ilitch  era  que  ninguém  o lastimasse conforme gostaria de ser lastimado". Como diz Tolstói e, aqui vale a pena reproduzir  integralmente  para  que  o  leitor  tenha  uma  dimensão  da  sua  percepção, "momento havia, depois de demorados sofrimentos, em que queria, acima de tudo, por mais que se envergonhasse de confessá-lo, ver-se tratado como se fosse uma criança doente. Queria ser acarinhado, mimado, beijado, tal com se faz com as crianças. Sabia que era um juiz importante, dono de uma barba grisalha e que por isso mesmo o que ambicionava era impossível, mas ainda  assim ambicionava. E no comportamento de Guerássim para com ele havia qualquer coisa próxima  daquilo que queria e de tal forma sentia-se um pouco confortado".

 

A doença progride implacavelmente e os médicos cada vez mais impotentes para encontrar uma solução. A mulher relata ao doutor que Ilitch é rebelde ao tratamento e que "fica numa posição que  positivamente não pode lhe fazer bem: de pernas para cima". Ao que, responde o médico: "Que  vamos fazer! Os doentes têm mania de inventar uma infinidade de asneiras. Devemos desculpá-los". O conto termina com o momento da morte, vivida na perspectiva do doente. Um momento de  libertação dos medos  e de alívio  da dor,  "e  de repente,  percebeu com nitidez  que aquilo  que o atormentara e o oprimia se ia dissipando, escoando para fora de seu por todos os lados ao mesmo tempo".

Trecho extraído da monografia

A  morte  de  Ivan  Ilitch  de  Leon  Tolstói

Elementos  para  se  pensar  as múltiplas dimensões da gestão do cuidado

Luiz Carlos de Oliveira Cecilio

Departamento de Medicina Preventiva

Universidade Federal de São Paulo

Fonte: Secretaria de Saúde da Cidade de São Paulo

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Virtudes da Crise

A desigualdade das condições sociais é uma lei natural?
 
Não; é obra do homem e não de Deus.
 
Essa desigualdade desaparecerá um dia?
 
Só as leis de Deus são eternas. Não a vês desaparecer pouco a pouco, todos os dias? Essa desigualdade desaparecerá juntamente com a predominância do orgulho e do egoísmo, restando tão somente a desigualdade do mérito. Chegará um dia em que os membros da grande família dos filhos de Deus não mais se olharão como de sangue mais ou menos puro, pois somente o Espírito é mais puro ou menos puro, e isso não depende da posição social.
 
Questões 806/a
Desigualdades Sociais
 

 
Nações mais pobres são esperança para crise, diz relatório do G20
quarta-feira, 2 de novembro de 2011 11:33 BRST
 
Por Paul Hoskins
 
LONDRES (Reuters) - Reformas simples eliminariam grande parte do risco de investir nos países pobres, liberando bilhões de dólares de dinheiro contido e fornecendo um impulso bem-vindo para a economia mundial, segundo um relatório que será apresentado na cúpula do G20 esta semana.
 
Tidjane Thiam, organizador do relatório, acredita que líderes mundiais aprovarão um plano para impulsionar o investimento em infraestrutura em países em desenvolvimento que inclui a reforma do Banco Mundial e seus pares regionais, mas não atinge os contribuintes.
 
"Precisamos de crescimento. Não vamos sair dessa apenas com a redução dos déficits", disse à Reuters, antes de ir para a cúpula em Cannes.
 
"Em um momento era importante convencer todos de que precisávamos cortar déficits, e chegamos lá, mas agora todo mundo está pensando 'qual é a mensagem positiva disso e como é que vamos tirar as pessoas dessa situação pensando apenas em cortes e cortes?'"
 
Thiam afirmou que o Painel para o Investimento em Infraestrutura do G20, que ele preside, tem pelo menos parte da resposta.
 
As nações ricas podem não estar gerando muitas novas riquezas no momento, mas possuem trilhões de dólares de riqueza acumulada, estão ganhando poucos retornos e não estão fazendo muita coisa para promover uma recuperação econômica global.
 
"Não há rendimento neste mundo, nenhum rendimento em qualquer lugar, e não vai haver por um bom tempo", disse Thiam, em uma entrevista em seu escritório em Londres na semana passada.
 
Gastos em infraestrutura nos países mais pobres, no entanto, historicamente geram retornos. Eles também ajudam a liberar potencial de crescimento, aumentando ainda mais a rentabilidade e criando um ciclo virtuoso de investimentos.
 
Remover grande parte do elemento de risco é parte da receita para um relacionamento altamente rentável, mutuamente benéfico entre as economias mais e menos desenvolvidas do mundo, acreditam Thiam e seus colegas do painel.
 
O painel deve publicar seu relatório na cúpula do G20 esta semana.
 
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Fonte: Reuters

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Mediunidade e Obsessão

"Chegaram então ao outro lado do mar, à terra dos gerasenos. E, logo que Jesus saíra do barco, lhe veio ao encontro, dos sepulcros, um homem com espírito imundo, o qual tinha a sua morada nos sepulcros; e nem ainda com cadeias podia alguém prendê-lo; porque, tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram por ele feitas em pedaços, e os grilhões em migalhas; e ninguém o podia domar; e sempre, de dia e de noite, andava pelos sepulcros e pelos montes, gritando, e ferindo-se com pedras, Vendo, pois, de longe a Jesus, correu e adorou-o; e, clamando com grande voz, disse: Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? conjuro-te por Deus que não me atormentes. Pois Jesus lhe dizia: Sai desse homem, espírito imundo. E perguntou-lhe: Qual é o teu nome? Respondeu-lhe ele: Legião é o meu nome, porque somos muitos. E rogava-lhe muito que não os enviasse para fora da região. Ora, andava ali pastando no monte uma grande manada de porcos. Rogaram-lhe, pois, os demônios, dizendo: Manda-nos para aqueles porcos, para que entremos neles. E ele lho permitiu. Saindo, então, os espíritos imundos, entraram nos porcos; e precipitou-se a manada, que era de uns dois mil, pelo despenhadeiro no mar, onde todos se afogaram."
Marcos, Capítulo 5
 

 
Os médiuns de efeitos físicos são particularmente aptos a produzir fenômenos materiais como os movimentos dos corpos inertes, os ruídos, etc. Podem ser divididos em médiuns facultativos e médiuns involuntários.

(...)
Os médiuns involuntários ou naturais são os que exercem a sua influência sem querer. Não têm nenhuma consciência do seu poder e quase sempre o que acontece de anormal ao seu redor não lhes parece estranho. Essas coisas fazem parte da sua própria maneira de ser, precisamente com as pessoas dotadas de segunda vista e que nem o suspeitam (...).
 
(...)
 
Os seres invisíveis que revelam sua presença por efeitos sensíveis são, em geral, Espíritos de uma ordem inferior, que podemos dominar pela ascendência moral. E essa condição de superioridade que devemos procurar adquirir.

Allan Kardec
O Livro dos Médiuns
Tradução de José Herculano Pires
Capítulo 14 - Os Médiuns
Item 161 - Médiuns de Efeitos Físicos



Na noite de 11 de setembro de 1948, Chico Xavier e um amigo, Isaltino Silveira, admiravam Pedro Leopoldo do alto de um morro, na beira de um riacho. Sentado numa pedra, sob a luz de um poste, Chico lançava sobre o papel um poema assinado por Cruz e Sousa. Isaltino substituía as páginas preenchidas por outras em branco. Os dois estavam às voltas com o poeta do além quando escutaram um barulho no mato. Eram passos. O amigo de Chico olhou para trás e levou um susto: um homem enorme, com olhos injetados, avançava na direção deles com um pedaço de pau na mão.

Isaltino levantou-se rápido e se preparou para enfrentar o agressor. Chico, já escaldado, continuou sentado. Sugeriu arma mais contundente: uma boa reza para emitir vibrações positivas. A poucos metros, o agressor parou e começou a balbuciar com a língua enrolada e os olhos fixos em Chico:

- Esta luz nas suas pernas..., esta luz nas suas pernas...

Chico aconselhou:

- Vá para casa e fique na paz de Deus, meu filho.

Isaltino, já refeito do susto, viu o homem dar meia-volta e ficou perplexo diante de um fato insólito. O mato, em um raio de cinco metros ao redor do agressor, ficou todo amassado enquanto ele caminhava.

Chico Xavier tentou explicar a história toda: o homem era um médium poderoso, embora descuidado, e tinha sido arrancado da cama por espíritos obsessores, interessados em assassinar os dois e jogar seus corpos no rio. O plano daria certo se os benfeitores espirituais não tivessem envolvido a dupla com um cinturão de luz.

Isaltino ainda estava perplexo. Por que o agressor se referiu à luz nas pernas de Chico? A resposta veio rápida, como se fosse óbvia.

Ele percebeu o foco que os espíritos projetavam sobre o papel durante a psicografia.

Por que o capim em torno dele se amassava?

- As tais entidades eram tão ruins que se utilizaram dos fluidos do médium e Conseguiram peso específico para provocar o fenômeno físico. Eram aproximadamente duzentos espíritos.

Isaltino suou frio.

As vidas de Chico Xavier
Marcel Souto Maior
2ª edição revista e ampliada
São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2003

domingo, 23 de outubro de 2011

Chico e o Cireneu

"Depois de o terem escarnecido, despiram-lhe o manto, puseram-lhe as suas vestes, e levaram-no para ser crucificado.
Ao saírem, encontraram um homem cireneu, chamado Simão, a quem obrigaram a levar a cruz de Jesus."
Mateus, Capítulo 27
 
Depois de o terem assim escarnecido, despiram-lhe a púrpura, e lhe puseram as vestes.
Então o levaram para fora, a fim de o crucificarem.
E obrigaram certo Simão, cireneu, pai de Alexandre e de Rufo,
que por ali passava, vindo do campo, a carregar-lhe a cruz.
Marcos, Capítulo 15

Quando o levaram dali tomaram um certo Simão, cireneu, que vinha do campo,
e puseram-lhe a cruz às costas, para que a levasse após Jesus.
Lucas Capítulo 26
 


 
Em 1955, [Chico Xavier] abriu a guarda para um rapaz de 23 anos, vindo de Monte Carmelo com a mãe. Seu nome: Waldo Vieira. Foi afinidade à primeira vista.

O rapaz mostrou a Chico um poema intitulado "Deus", ditado a ele por um espírito anônimo. O autor do Parnaso de Além-Túmulo ficou abismado. Era um soneto alexandrino perfeito.

A surpresa cresceu após outra revelação. Waldo, com metade de sua idade, dizia receber mensagens de um espírito chamado André Luiz, homônimo do autor de Nosso Lar (...).
***
 
Chico estava perplexo. E exultou com o currículo mediúnico do jovem de Monte Carmelo. Espírita desde os seis anos, quando seu pai fundou um centro, Waldo viu a primeira assombração de sua vida aos nove anos. Aos treze, começou a receber os primeiros textos do além. Com o tempo, tornou-se um dos líderes das Mocidades Espíritas. Era perfeito, bom demais para ser verdade. Chico previu a possibilidade de os dois trabalharem juntos. (...) empolgado com a descoberta de uma nova promessa espírita, tratou de apresentar o jovem, em carta, ao presidente da Federação Espírita Brasileira, Wantuil de Freitas. Já em 1957, quando completava trinta anos de serviços prestados a servir de ponte entre este mundo e o outro, Chico defendeu o jovem:

"Apesar de moço ainda, revela-se um companheiro muito abnegado e senhor de um caráter honesto e limpo. Estudioso, amigo, trabalhador. Agora, meu caro Wantuil, que trinta anos consecutivos se passaram sobre minhas singelas atividades mediúnicas, tenho necessidade de sentir alguém comigo, a quem eu possa ir transmitindo recomendações de nossos Benfeitores Espirituais que eu não possa, de pronto, atender ou em cujas mãos possa deixar alguns deveres preciosos, na hipótese de qualquer necessidade."

Chico estava cansado. Um parceiro viria a calhar. Ainda faltavam três livros para ele honrar o compromisso assumido com Emmanuel e concluir a segunda série de trinta títulos. As sessões de Pedro Leopoldo eram exaustivas
(...). A chegada de Waldo Vieira poderia aliviar tanto estresse.
 
***

Emmanuel também parecia estar bem informado sobre o futuro próximo. Em 1957, Chico ouviu o aviso: André Luiz ditaria um novo livro, o sexagésimo. Parecia tão ansioso quanto Chico para concluir logo a tarefa. Tão apressado que convidou Waldo Vieira a dividir o serviço com o autor do Parnaso de Além-Túmulo. Por quê? A resposta, segundo Emmanuel, viria no ano seguinte. Por enquanto, os dois deveriam apenas escrever.

A dobradinha espírita mais pródiga do espiritismo no Brasil começou com Evolução em Dois Mundos. O método de trabalho da dupla era insólito. Waldo Vieira, um jovem de 27 anos, recém-formado em medicina e odontologia, enviava de Uberaba para Pedro Leopoldo, aos cuidados de Chico, 47 anos e curso primário incompleto, os capítulos ímpares do livro um resumo da história da alma humana repleto de termos médicos. Chico dava seqüência ao texto com os capítulos pares. A fusão dos artigos era surpreendente. Impossível afirmar quem escreveu qual parte. Em julho de 1958, o livro número sessenta já estava no prelo.
 
***

(...) Em uma carta a Wantuil de Freitas, no dia 10 de dezembro, [Chico Xavier] destacou Waldo Vieira como alguém capaz de livra-lo "dos perigos que rondam a tarefa".
 
***

No meio da noite de 4 de janeiro de 1959, Chico Xavier bateu a porta de casa e sumiu. (...) Não se despediu de ninguém. Com a roupa do corpo, tomou o rumo de Uberaba. Levou apenas o velho caderno de endereços e telefones. Iria morar com Waldo Vieira.
 
***

Chico Xavier se refugiou no meio do mato a oito quilômetros do centro de Uberaba. Sua casa, que dividia com Waldo Vieira, era um barraco. Quarto, sala, cozinha, banheiro, chão de cimento, paredes sem pintura. Nenhum ônibus passava por ali. (...) Quem quisesse chegar até o porta-voz dos mortos no Brasil precisava atravessar o matagal, driblar bois e vacas, pular cercas de arame farpado. Sem telefone, com os parentes a seiscentos quilômetros de distância, (...), às vésperas da aposentadoria, Chico experimentava a privacidade e tomava fôlego para recomeçar. Precisava chegar ao centésimo livro. Agora, pelo menos, já tinha um parceiro.
 
***

Livre, às vésperas de completar cinqüenta anos, ele se revelava um contador de "causos" inspirado. Eça de Queiroz aprovaria. Olina, no início desconfiada, terminou a noitada às quatro horas da manhã, exausta de tanto rir. As histórias se sucediam e as gargalhadas também. Waldo Vieira, mais sério, preferia o silêncio e certa distância. (...) Chico ria das superstições alheias e também falava sério. De história em história, ele envolvia as visitas, dava o seu recado. (...). Waldo leu o Evangelho, pediu licença e foi dormir.
 
***

Às terças e quintas-feiras, Chico e Waldo calavam a boca, fechavam as portas de casa e se dedicavam a um novo livro assinado por André Luiz, o primeiro da nova série de quarenta necessários para atingir o centésimo título. Os capítulos ímpares eram escritos por Waldo, os pares, por Chico. O texto tentava traduzir, de forma científica, os "Mecanismos da Mediunidade".
 
***

No dia 18 de abril de 1959, Chico e Waldo Vieira inauguravam, ao lado da casa deles, a Comunhão Espírita Cristã. Nenhum deles assumiu a presidência do centro. Precisavam escrever. Dalva Rodrigues Borges, uma espírita de Uberaba, assumiu o comando. A programação do novo centro era intensa: reuniões públicas às segundas, sextas e sábados, sessões de desobsessão privadas às quartas-feiras, sopas para os pobres todas as tardes, peregrinações pelos bairros da periferia aos sábados, além de cursos sobre o Evangelho.
 
***

Chico Xavier e Waldo Vieira saíam das sessões públicas e, ao chegarem em casa, costumavam datilografar os textos ditados pelos "benfeitores espirituais". Tinham muito trabalho pela frente: ainda estavam longe do centésimo livro. Numa dessas jornadas noturnas, um besouro caiu sobre a máquina do companheiro de Chico. Waldo atirou o inseto com força na parede. O bicho voou e tornou a cair sobre sua mesa. Waldo arremessou o recalcitrante com violência contra o chão. Mais uma vez, ele levantou vôo. Dessa vez, aterrissou no lugar certo: a mesa de Chico.

Com cuidado, o companheiro de Waldo pegou o inseto, abriu a janela e o soltou lá fora enquanto comentava:

- Besouro, se você não conseguiu desencarnar através de Waldo, é porque você é como eu: tem uma missão a cumprir no mundo. Vá com Deus.

Waldo olhava torto para o sentimentalismo de Chico.
 
***

Em noites de casa cheia, Chico ficava até meia-noite confinado. Quando voltava para a mesa, os espectadores só faltavam aplaudir, não só por sua presença, mas pelo fim dos comentários evangélicos. A presidente do centro pedia silêncio, meditação, prece. Chico fechava os olhos, segurava o lápis e as frases se espalhavam pelo papel. Waldo em geral o acompanhava no dueto do além. Às vezes, quando um parava, o outro começava, e os dois produziam textos complementares assinados pelo mesmo "autor".
 
***

O dueto com Waldo Vieira iria gerar a Antologia dos Imortais. Ainda faltavam 27 livros para chegar ao título número cem. Chico assinava os capítulos ímpares, Waldo, os pares.
 
***

Em junho de 1964, Chico, com o aval de Emmanuel e com o apoio de Waldo Vieira, decidiu ceder à Comunhão Espírita Cristã os direitos de livros escritos por ele e seu parceiro. Pela primeira vez, ele seria beneficiado, embora indiretamente. O centro, cada vez maior, contraía dívidas e já não podia contar apenas com a ajuda esporádica e voluntária de amigos ricos e de gente grata a Chico Xavier.
 
***

Os generais tomavam conta do país e Chico Xavier, com a ajuda do jovem Waldo Vieira, promovia mais uma distribuição de Natal. No dia 13 de janeiro de 1965, uma fila de 11.765 pessoas se estendeu diante da Comunhão Espírita para buscar sacolas com roupas e alimentos. Com a ajuda de seus amigos de São Paulo e de outros estados, conseguiram arrecadar 8.337 peças de roupas, 993 pares de sapatos, 311 enxovais infantis, 1.926 brinquedos, 4.320 lápis, 500 livros, 335 sacas de arroz, 218 quilos de balas, 11.815 sanduíches.
 
Eram raros os que agradeciam ao receber as doações.
 
***

Chico e Waldo começaram a arrumar as malas para viajar ao exterior.

Em maio de 1965, os dois embarcaram para os Estados Unidos. Já era hora de levar o espiritismo segundo Kardec aos americanos. Acompanhados por dois amigos, Maria Aparecida Pimental e Irineu Alves, eles chegaram a Washington na tarde de 22 de maio, um sábado. No dia seguinte, visitaram um templo espírita na cidade para agradecer ao plano espiritual pela chance da viagem. Sem aviso prévio, foram até o The Church of Two Worlds (A Igreja dos Dois Mundos), dirigido pelo médium Gordon Burroughs.
 
 
Eram 15h. Eles se sentaram no último banco e ficaram em silêncio, acompanhando as preces, cânticos e comentários sobre a doutrina. Ninguém os conhecia ali.

No final da reunião, uma senhora indicou os quatro "irmãos de outro país" ali presentes e falou sobre a tarefa deles nos Estados Unidos: levar a renovação espiritual e estimular a aproximação fraterna. Logo depois, em transe, anunciou a presença dos espíritos de um teacher e um doctor junto aos visitantes brasileiros. Chico e Waldo já tinham percebido a companhia de Emmanuel e de André Luiz.

Em julho, Waldo Vieira colocou no papel um texto com a assinatura do doctor.

"Pontos fundamentais para o espírita em viagem". Era uma cartilha para kardecistas que viajassem para o exterior pela primeira vez. Os conselhos, assinados por André Luiz, pareciam ter sido escritos por Chico Xavier. Para início de conversa, a palavra estrangeiro deveria ser riscada do dicionário: "Os filhos de outros povos devem ser tratados como verdadeiros irmãos". Era preciso fugir da exibição pessoal, guardar discrição e simplicidade, evitar críticas e discussões, anedotas e aforismos de mau gosto, além de comparações pejorativas capazes de humilhar os anfitriões. Para ser mais útil, cada um deveria estudar a língua e os costumes do país visitado.
 
***

Chico e Waldo saíram dos Estados Unidos e aterrissaram na França. Chico, é claro, fez questão de visitar o túmulo de Allan Kardec, no cemitério Père Lachaise.
 
***

Nessa primeira viagem, Chico e Waldo lançaram sementes kardecistas no exterior. No ano seguinte, eles voltaram aos Estados Unidos para fiscalizar a plantação.
 
***

Chico Xavier chegou a Uberaba (...) com uma outra novidade também surpreendente: estava sozinho. Waldo Vieira tinha ido para o outro lado do mundo, o Japão. Iria fazer um curso de pós-graduação em plástica e cosmética em Tóquio. Meses depois, ele voltaria para a Comunhão Espírita Cristã apenas para arrumar as malas e sumir do mapa em direção ao Rio, onde abriria um consultório.

Chico Xavier garantia estar conformado com a separação. E previa em entrevistas na época: "Waldo será invariavelmente o médico humanitário e o abnegado missionário da doutrina espírita que todos nós conhecemos."

Errou em cheio.

Após deixar sua assinatura ao lado da de Francisco Cândido Xavier em dezessete livros, o "médico humanitário" virou as costas para o espiritismo, "estreito demais", e seguiu carreira solo. Estava cansado de Chico, "tão frágil, tão suscetível, tão chorão", estava cansado da sacralização em torno de seu parceiro e do "populismo" das sopas diárias, das peregrinações semanais e das distribuições natalinas.

Queria distância da culpa cristã, da caridade, das lições evangélicas. Ele não iria se conformar, não iria agradecer a Deus por seus sofrimentos, não viveria atrelado a guias espirituais, não se submeteria a ser um eterno datilógrafo de textos do além.

Waldo abandonou a doutrina espírita e definiu sua saída da Comunhão como "uma benção". Leitor voraz, dono de uma biblioteca com 60 mil exemplares, ele fundaria não uma seita, mas uma ciência batizada de "projeciologia". Iria estudar as projeções de consciência, as experiências fora do corpo físico. Em 1986, lançaria um livro sobre o assunto - um calhamaço de mil páginas coberto por 1.907 citações extraídas de mais de 5.500 títulos específicos.

Os cientificismos de André Luiz, no complexo Mecanismos da Mediunidade, são até bastante acessíveis se comparados à linguagem usada no mundo novo de Waldo. Tanto que ele lançaria um "miniglossário da conscienciologia" para quem quisesse entender seu dialeto. (...)

Nesse universo sofisticado, a mediunidade é considerada um "pré-maternal, uma bobagem", o espiritismo não passa de uma superstição e Kardec já está superado.

A pessoa capaz de projetar a própria consciência estaria anos-luz à frente do médium. A projeciologia eliminaria o intermediário, o atravessador. Se uma pessoa quisesse entrar em contato com o "espírito", por exemplo, bastaria sair conscientemente de seu corpo físico e procurar seu morto em outra dimensão. Ou seja: a mãe, arrasada com a morte de seu filho, poderia fazer um curso de projeciologia, treinar bastante e ir para o espaço. Haveria o risco de ela se perder no meio do caminho.

- Mas quem não corre riscos? pergunta Waldo.

Quase 27 anos após se tornar um dissidente de Chico Xavier, Waldo só interromperia os ataques para confirmar: Emmanuel e André Luiz existem mesmo. A mediunidade e a psicografia são reais.

Chico Xavier seria um "completista", segundo termo inventado por André Luiz. Ou seja: cumpriu à risca a programação traçada no outro mundo para ele.

Com longas barbas brancas e seu discurso demolidor, Waldo Vieira seria acusado por vários espíritas de estar cercado de espíritos obsessores. Ao saber das acusações, ele se limitaria a gargalhar.

- Eu ameaço o espiritismo. Eu acabo com os atravessadores.

Os espíritas mais indignados chegaram a prever a "desencarnação" do ex-médium.

Ele teria traído sua missão e poderia pagar por isso. Waldo provocaria:

- Eu só tenho medo do espírito obsessor do cachorro do vizinho.
 
***

Desde a separação, Waldo Vieira nunca mais se encontrou com o antigo parceiro.

Em 1991, tentou conversar com ele. Os auxiliares de Chico afastaram-no com uma desculpa: Chico estava viajando. O "completista" preferiu ficar em casa, sozinho, recolhido em seu quarto, escrevendo.

Tinha mais o que fazer.

Em 1967, Chico lutava para atingir o centésimo livro e encerrar a maratona literária. Estava exausto. Logo após a separação, colocou no papel o livro Encontro Marcado, assinado por Emmanuel. Uma coletânea de conselhos bastante úteis para quem, como ele, sofria com mais um desencontro na vida. Uma das frases era consoladora: "A pedra que acidentalmente nos fira será provavelmente a peça que sustentará a segurança da construção".

As vidas de Chico Xavier
Marcel Souto Maior
2ª edição revista e ampliada
São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2003