sábado, 14 de novembro de 2009

ESPÍRITO E MATÉRIA [2]

"(...) a matéria existe em estados que ignorais. Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil, que  nenhuma impressão vos cause aos sentidos. Contudo, é sempre matéria. Para vós, porém, não o seria."

 

"(...) ao  elemento material se tem que juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre o espírito e a matéria propriamente dita, (...) ele se distingue deste por propriedades especiais. (...). Está colocado entre o espírito e a matéria; (...) Esse fluido universal (...) é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e nunca adquiriria as qualidades que a gravidade lhe dá."

 

"Não há o vácuo. O que te parece vazio está ocupado por matéria que te escapa aos sentidos e aos instrumentos."

 

ESPÍRITO E MATÉRIA Itens 22, 27 e 36 O Livro dos Espíritos Allan Kardec Paris, 1857

 


 

Enquanto Isso, no Universo

Daniel Soler

 

Pois é, caro leitor... Matéria Escura... você já tinha ouvido falar nisso? Não...? Bom, pode ficar tranquilo, porque você não está sozinho...! Apesar de haver indícios de existência dessa tal Matéria Escura (ME) já há mais de 70 anos, este assunto é bem pouco popular, comparado a outros assuntos, talvez pelo fato de até hoje não se saber exatamente o que ela possa ser. Em outras palavras,  é uma questão em aberto dentro da comunidade científica.

 

Só para tentar dar uma ideia do que estamos falando, de forma muito simples e resumida, podemos dizer que a ME é alguma coisa, algum tipo de matéria, que não se pode ver (não emite nem reflete luz, não interage portanto com a luz - daí o nome Escura!), mas que pode ser notada porque ela interage gravitacionalmente com a matéria comum que conseguimos ver, aquela de que somos feitos. Interagir gravitacionalmente significa que ela atrai e é atraída por corpos que possuem massa (que são feitos de matéria), como estrelas, nuvens de gás e poeira, galáxias, ou mesmo coisas pequenas como a Terra, eu e você...

 

Mas o que é afinal matéria? Esta, na verdade, é uma questão bem difícil de responder, até porque hoje temos muitas informações a respeito da matéria, de seus constituintes, de maneira que é um assunto relativamente complexo. Difícil, portanto, de se sintetizar em poucas palavras.

 

Eu poderia arriscar dizendo que a matéria, juntamente com a radiação (luz visível, raios-X, raios ultravioleta e infravermelho, ondas de rádio, raios gama, etc), forma o par de constituintes básicos do Universo conhecido, ou seja, de tudo o temos certeza de que existe. Mas esta seria uma "saída pela tangente", eu não estaria explicando realmente o que ela é, ou melhor ainda, do que ela é feita, apesar de se estar falando de uma propriedade fundamental e muito importante.

 

Eu poderia também dizer que matéria é tudo aquilo que é constituído por partículas elementares. Mas e o que são então partículas elementares? Átomos? Um dia foram os átomos, achávamos que eles eram indivisíveis, mas hoje sabemos que os átomos são feitos de outras coisas menores... Você já ouviu falar em bósons e férmions? Quarks e léptons?  Bários e mésons? E anti-partículas então? Nomes estranhos, não é? =)

 

Bom, o importante aqui é saber que os cientistas estão já há décadas construindo um modelo - chamado Modelo Padrão - onde existem um monte de partículas que, juntas, formam tudo aquilo que a gente conhece. Ou acha que conhece, mas enfim...

 

A matéria da qual somos feitos é muitas vezes chamada de Bariônica, porque boa parte dela é feita de dois bárions que acho que você já ouviu falar: o próton e o nêutron. Pois bem, eu, você, este computador na sua frente, o chão, as plantas, o ar, as estrelas que vemos a noite, tudo é feito de Matéria Bariônica (MB)!

 

Bom, mas há uns 80 anos mais ou menos, várias observações do céu começaram a sugerir a existência de um tipo de matéria exótica, não visível diretamente. O primeiro a deduzir a presença da ME foi o astrofísico suíço Fritz Zwicky, em 1933, observando um conjunto grande de galáxias, chamado aglomerado de galáxias Coma.

 

Ele estimou a massa total do aglomerado, baseado nos movimentos de galáxias contidas em suas periferias, e depois a comparou com a estimativa baseada no número de galáxias existentes dentro dele e no seu brilho total. O resultado foi o de que a quantidade de massa que interagia gravitacionalmente correspondia a cerca de 400 vezes mais do que a matéria observada!

 

De lá para cá, várias outras observações trouxeram indicativos fortes da existência da ME. A mais clássica de todas as evidências são os movimentos de translação de estrelas e de gás de galáxias espirais ao redor dos centros dessas galáxias. Como elas têm uma grande concentração de matéria – gases e estrelas – no seu bojo central, mais ou menos como é o caso do Sol no sistema solar, as estrelas e o gás mais afastados do centro deveriam  se movimentar de forma parecida com os planetas do sistema solar.

 

Quem está próximo da região central (Mercúrio, por exemplo), deveria completar muito mais voltas do que quem está nas periferias (Saturno, por exemplo), não só por ter um caminho menor pra percorrer, mas principalmente porque tem uma velocidade maior (algumas informações sobre os movimentos dos planetas você pode encontrar aqui).

 

Só que, o que se observa, é que as estrelas e o gás na periferia de uma galáxia espiral tendem a possuir uma velocidade quase tão alta quanto os que estão próximos do bojo central. Como seus movimentos, a princípio, só dependem da massa da galáxia, o que se deduz  é que tem que existir mais massa dentro dela. Só que essa massa toda a mais não é visível...

 

Curva de rotação de uma galáxia espiral típica: prevista (A) e observada (B). A matéria escura pode explicar a aparência "achatada" da curva de rotação para grandes distâncias do centro

 

Em 2007, eu noticei, no site dos Planetários de São Paulo, a descoberta da primeira galáxia feita quase que totalmente de ME! Tal galáxia se encontra próxima à galáxia espiral M89, já conhecida a dezenas de anos, que é uma galáxia assimétrica: seus braços se distribuem de forma um pouco diferente do comum, o que seria um indicativo de que ela teria sofrido uma colisão com uma outra galáxia. Só que não existe nenhuma galáxia visível perto dela! Astrônomos então descobriram a localização de uma galáxia feita praticamente só de ME, que deve ter colido com M89 há milhões de anos atrás, deixando-a então do jeito que a vemos hoje.

 

Um outra descoberta recente foi a de que deve existir uma quantidade imensa de ME no Aglomerado Bala de Revólver (Bullet Cluster), nome sugestivo devido ao seu formato. Tal aglomerado é, na verdade, composto pela colisão de outros dois, que ocorreu há muito, muito tempo atrás. O resultado final, que vemos hoje, não pode ser explicado sem a hipótese da ME. Na imagem e no vídeo abaixo, as cores rosa e azul são falsas, servem apenas para indicar onde se concentra a maior parte de MB (em rosa) e  a maior parte da ME (em azul).

 

Como a MB interage de outras formas, além da gravitacional, se movimentou de forma diferente, e se concentrou mais no meio. A ME se movimentou mais, levando ainda consigo diversas galáxias visíveis. Por meio de uma técnica chamada de Lentes Gravitacionais, detectou-se que há muito mais matéria que interage gravitacionalmente nas bordas do aglomerado do que no centro, o que atesta a existência da ME nessa região.

 

Bom, existem várias hipóteses sobre o que possa ser a ME, sobre do que ela pode ser feita. Há aqueles que afirmam que pode ser MB mesmo, só que na forma de matéria inerte, que não emite luz, como estrelas mortas ou mesmo planetas. Há os que acreditam estarmos diante mesmo de algum tipo exótico de matéria, constituído de algo completamente novo que não sabemos como lidar. Há, ainda, alguns que afirmam que talvez não haja nada além do que vemos: o que estaria errado seriam nossas teorias. Que talvez a Teoria da Gravitação esteja incompleta, e seja ainda incapaz de descrever certos fenômenos, como os que descrevemos aqui. Mas estes últimos são minoria.

 

De qualquer forma, se a ME realmente existir, a quantidade dela deve corresponder a cerca de 23% de tudo o que existe no Universo, quase 6 vezes mais do que os 4% da MB (os 73% restantes correspondem à Energia Escura, com certeza um assunto para um outro dia!). Na nossa Galáxia, por exemplo, acredita-se na existência de cerca de 10 vezes mais ME do que MB!

 

Pois é, caro leitor... você achava que somos importantes e especiais? Que somos "a última bolacha do pacote"? Fazemos parte de apenas 4% de tudo o que existe no Universo... e nem fazemos idéia direito o que são exatamente os outros 96%...! Você se sentiu pequeno agora? Um nada? Uma gota de água no oceano Atlântico? Um grão de areia na praia de Copacabana? Bom, eu pelo menos me sinto assim toda vez que penso na Matéria Escura, na Energia Escura... no Universo inteiro que ainda temos a descobrir...! =)

 

Um grande abraço e até a próxima!

 

Daniel R. Soler é Físico Habilitado em Astronomia

e Mestrando em Ensino de Ciências pela Universidade de São Paulo.

 

Fonte: IGeducacao

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