terça-feira, 10 de março de 2009

OLHO CLÍNICO

"Oi, Ramon. Interessante a poesia... (...) sugeriria que você refletisse sobre o trecho "Que a criança abortasse Antes que a vida brotasse Um fruto do desamor". (...). Cuidado. Cautela. Somos responsáveis pelo que geramos a nossa volta com o que dizemos. Não pretendo travar discussões maiores em torno do tema. (...). Só pra pensarmos com nossos botões... ;-) Grande abraço, Guilherme."



Fala, GUI! Tudo bem, rapaz!

Amigo, isso é o que eu chamo de olho treinado, hein! Achou a formiguinha na orelha do elefante :-D Juro que não tinha percebido esse detalhe. Repassei o repente porque, de modo geral (desamores à parte), achei que refletia bem a perplexidade que nos assaltou diante da atitude impensável tomada pela Igreja Católica.

Como você sabe, na vida, não basta estar com a razão, é preciso saber expressá-la. Atitudes radicais podem aniquilar os argumentos mais convincentes, não é mesmo! A mais bela definição de sabedoria que li até hoje, diz: "Sabedoria é conhecer as regras e reconhecer as exceções".

Neste caso, acho que a Igreja preferiu derrubar a parede a tentar abrir a porta. Fez muito barulho sem que houvesse nenhum efeito prático a ser atingido. No contexto em que sucederam os fatos, nenhuma instituição, por mais força política que tivesse, poderia evitar este triste desfecho. Além do estupro e da garantia constitucional dada à vítima (concordemos ou não), havia ainda o fato de ser uma criança (sequer adolescente, mas criança), sem a menor condição orgânica de dar continuidade à gestação sem riscos injustificáveis a sua própria vida e a dos bebês. Nestas condições, ninguém poderia sequer imaginar uma atitude desesperada como a que foi tomada pela Igreja. Não pelo efeito prático, pois a excomunhão em si não altera em nada a realidade dos envolvidos no caso, mas pelo desgaste gerado a todos: à vitima, à própria Igreja e especialmente ao movimento contra o aborto, no qual estamos incluídos.

A igreja sempre foi até aqui a grande aliada na luta contra a legalização do aborto, pois nós espíritas, convenhamos, pesamos muito pouco em termos de representatividade política, já que contamos com apenas UM deputado (Luis Bassuma); enquanto a Igreja Universal, defensora declarada do aborto, não cessa de ampliar sua base parlamentar (por meios que não invejo). O que nos resta então ao ver nossa grande aliada adotar uma atitude de desespero como esta, senão lamentar?

O gesto extremo da igreja culminou, inclusive, por desviar a atenção do foco do problema, que na verdade é a violência doméstica a que estão expostas tantas vítimas anônimas e indefesas, colocando os holofotes sobre o debate em torno do aborto, como você disse já tão acirrado no país.

Confesso que hesitei um pouco antes de repassar o texto. Não pelo pequeno detalhe do verso, que de fato nem percebi. Mas por pensar em como as grandes almas, como a de Chico Xavier, reagiriam a um episódio como este. No caso de Chico, bem sabemos que ele evitaria qualquer comentário amargo ou desabonador, tentando dissolver as críticas para poupar da condenação pública o causador do escândalo (no caso, a Igreja). Mas, repito, como o texto não era infame e refletia bem nossa perplexidade diante do gesto insólito da Igreja, terminei achando que valeria o repasse.

Na verdade, é muito difícil se furtar ao debate de um tema palpitante como este. Mas o debate é também o meio mais eficiente de amadurecer as idéias e fortalecer as convicções, não é mesmo!
 
Valeu pela dica, amigão!
 
Aquele abraço!
 
Ramon de Andrade
raesa@ig.com.br
Palmares-PE



A excomunhão da vítima
Por Miguezim da Princesa

I
Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração,
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.

II
Pelas fogueiras que arderam
No tempo da Inquisição,
Pelas mulheres queimadas
Sem apelo ou compaixão,
Pensava que o Vaticano
Tinha mudado de plano,
Abolido a excomunhão.

III
Mas o bispo Dom José,
Um homem conservador,
Tratou com impiedade
A vítima de um estuprador,
Massacrada e abusada,
Sofrida e violentada,
Sem futuro e sem amor.

IV
Depois que houve o estupro,
A menina engravidou.
Ela só tem nove anos,
A Justiça autorizou
Que a criança abortasse
Antes que a vida brotasse
Um fruto do desamor
.

V
O aborto, já previsto
Na nossa legislação,
Teve o apoio declarado
Do ministro Temporão,
Que é médico bom e zeloso,
E mostrou ser corajoso
Ao enfrentar a questão.

VI
Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniria
Até a quarta geração.

VII
É esquisito que a igreja,
Que tanto prega o perdão,
Resolva excomungar médicos
Que cumpriram sua missão
E num beco sem saída
Livraram uma pobre vida
Do fel da desilusão.

VIII
Mas o mundo está virado
E cheio de desatinos:
Missa virou presepada,
Tem dança até do pepino,
Padre que usa bermuda,
Deixando mulher buchuda
E bolindo com os meninos.

IX
Milhões morrendo de Aids:
É grande a devastação,
Mas a igreja acha bom
Furunfar sem proteção
E o padre prega na missa
Que camisinha na lingüiça
É uma coisa do Cão.

X
E esta quem me contou
Foi Lima do Camarão:
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
A vaga de sacristão.

(*) Poeta popular, Miguezim de Princesa,
é paraibano radicado em Brasília.

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