domingo, 23 de abril de 2017

Charco Divino


Na primeira leitura que fiz de o Livro dos Médiuns, impressionou-me o modo indelicado como o espírito de Santo Afonso de Liguori, ao descrever o fenômeno da bicorporeidade, referiu-se ao corpo físico, que definiu como matéria imunda.

Mesmo sabendo tratar-se de prisão temporária para o Espírito, como bem nos esclarece o Espiritismo, pareceu-me naquele momento um gesto de ingratidão com este singelo uniforme de uso obrigatório aos que se matriculam na escola da Terra.   

Mais recentemente, porém, ao me deparar com relato em que Chico Xavier registra impressão semelhante de seu próprio corpo, compreendi que a repulsa não se deve a menosprezo do espírito em relação a este valioso instrumento, mas sim ao impacto que sua baixa densidade vibratória necessariamente causa em certos espíritos, já bem adiantados na estrada do progresso moral.

Para nós, por exemplo, seria o equivalente a mergulhar na lama, após um banho revigorante nos deixar asseados, bem vestidos e perfumados.

E assim como na Terra a lama tem propriedades cosméticas, depurativas, a analogia parece se estender a nós, espíritos, que necessitamos deste hidratante natural para cicatrizar as feridas da alma.

Seguem as passagens mencionadas, para nossa reflexão.

Ramon de Andrade
Palmares, PE
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O Livro dos Médiuns
Capítulo VII
Da bicorporeidade e da transfiguração

Santo Afonso de Liguori foi canonizado antes do tempo prescrito, por se haver mostrado simultaneamente em dois sítios diversos, o que passou por milagre.

Por nós evocado e interrogado, acerca do fato acima, Santo Afonso respondeu do seguinte modo:

Poderias explicar-nos esse fenômeno?

"Perfeitamente. Quando o homem, por suas virtudes, chegou a desmaterializar-se completamente; quando conseguiu elevar sua alma para Deus, pode aparecer em dois lugares ao mesmo tempo. Eis como: o Espírito encarnado, ao sentir que lhe vem o sono, pode pedir a Deus lhe seja permitido transportar-se a um lugar qualquer. Seu Espírito, ou sua alma, como quiseres, abandona então o corpo, acompanhado de uma parte do seu perispírito, e deixa a matéria imunda num estado próximo do da morte. Digo próximo do da morte, porque no corpo ficou um laço que liga o perispírito e a alma à matéria, laço este que não pode ser definido. O corpo aparece, então, no lugar desejado. Creio ser isto o que queres saber."
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Chico Xavier - Mandato de amor
Autores diversos
1ª Parte
Os livros do Dr. Inácio Ferreira

Depoimento do médium Francisco Cândido Xavier, em 12.01.1990.

Recentemente, ocorreu-me um fato muito interessante.

Eu estava em meu quarto de dormir, ressonando, quando alguém se aproximou rapidamente. A princípio, assustei-me, mas qual não foi minha agradável surpresa ao reconhecer a figura inconfundível de Dr. Inácio Ferreira! Assim, fui logo exclamando:

Dr. Inácio, é o senhor mesmo, meu bom Deus! Que alegria revê-lo! — quase chegando às lágrimas por reconhecer o estimado confrade. Ele encontrava-se tal qual acostumamo-nos a vê-lo aqui, em Uberaba. O mesmo traje branco, o mesmo jeito. — Dr. Inácio, conte-me algo sobre sua passagem. Estou curioso por ouvir do senhor o relato sobre o reencontro com os nossos amigos da outra vida! Quantos dos nossos o senhor já reviu? Quero saber tim tim por tim tim!

Ao que ele retrucou:

— "Ah, Chico, meu caro, não há tempo para isso. Vim aqui para pedir-lhe o favor de uma providência que não deve fazer-se esperar. Ademais, tenho visto tanta gente que, se fôssemos conversar sobre isto, passaríamos dias na prosa. E você sabe como é, Chico, eu poderia esquecer de mencionar alguém, tantos são os amigos! De forma que, ao menos por enquanto, não nos aventuraremos por este terreno. Mas vamos logo ao assunto que me trouxe aqui. Chico,… nós dois vamos até minha casa. Você precisa me acompanhar até lá para podermos conversar com Maria Aparecida".

Mas, Dr. Inácio, o senhor deve estar doido! Eu não posso sair a estas horas da noite! O meu corpo está exausto, o senhor deve estar a par de minha peleja e os médicos me recomendaram repouso! Como é que eu sairia na rua tarde da noite? Além disso, sua casa é por demais distante, do outro lado da cidade!!! — disse-lhe.

— "Chico, não se preocupe com isso, porque você estará sob os nossos cuidados. O fato é que nós devemos ir andando até lá. No trajeto, eu lhe digo o porquê. Vamos, Chico, dê-me o braço".

Ao apoiar-me em Dr. Inácio, senti-me leve como pluma. O corpo já não mais me pesava. Uma força levemente eletrizante animou-me, a ponto de sentir-me plenamente disposto para a caminhada. Foi aí que reparei na beleza de Dr. Inácio. Por todo o seu corpo, vi pequenas irradiações brilhantes, que fizeram-me compreender que ele já havia alcançado o estágio de auto-luminosidade. Ante meu espanto natural, retrucou:

— "Chico, não temos tempo para conversas! O trabalho nos espera. Vamos andando!"

Súbito, começamos a andar celeremente, tomando a calçada. À medida que caminhávamos, mais rápido íamos, de maneira que deslizávamos a meio palmo do chão. Vocês não imaginam o quanto dista a residência de Dr. Inácio de minha casa e, em questão de poucos minutos, havíamos atravessado toda Uberaba e já nos aproximávamos do lugar.

E se alguém me vir andando assim, na rua, Dr. Inácio, altas horas da madrugada! — exclamei.

— "Não se preocupe, Chico. Ninguém nos verá".

Mas, meu Deus! O que é que D. Maria Aparecida vai pensar de mim? Isto não é hora para visitas, Dr. Inácio!

— "Você precisa conversar com ela, Chico. Ela já deve estar desperta pelos amigos espirituais".

A esta altura, já estávamos diante da porta de entrada da casa de Dr. Inácio. O silêncio dominava a madrugada. Eu estava aflito pela possibilidade de importunar D. Maria Aparecida, àquela hora. Dr. Inácio parou em frente à porta e disse-me:

— "Chico, você fique aqui e aperte a campainha".

Mas o que é isso, Dr. Inácio? D. Maria Aparecida vai achar que estou ficando doido, parado aqui, tocando a campainha tão tarde da noite!

— "Chico, não se preocupe que ela já deve estar de pé. Infelizmente, minha condição perispiritual ainda não me permite atuar diretamente sobre os metais, de forma que não posso abrir a fechadura para você. Por favor, me espere aqui fora, enquanto tentarei forçar a parte de madeira da porta, a fim de ajudar a abri-la. Toque a campainha, que Maria Aparecida atenderá ao chamado".

Assim foi feito. E segundos mais tarde, D. Maria Aparecida abriu a porta, um pouco espantada com o inusitado da visita, pois, afinal, era a primeira vez que eu ia até lá.

Gentilmente, convidou-me a entrar. Sentamo-nos na sala, falamos sobre a recente partida de Dr. Inácio, cuja presença ela não percebia. As lágrimas nos tomaram muitos minutos de saudade e ouvi, com muita atenção e carinho, os lamentos de profundo pesar da estimada irmã.

Passados alguns instantes, disse-lhe, pausadamente, de acordo com as instruções recebidas de Dr. Inácio:

O que eu tenho a lhe informar, D. Maria Aparecida, é que Dr. Inácio está presente, a pedir-lhe paciência. Pede-me para dizer-lhe que a vida continua e que ele está firme nos propósitos de servir, junto ao Sanatório. Dr. Inácio continua à frente dos trabalhos, com planos para o futuro. A senhora me perdoe se lhe disser algo menos cortês, mas é que ele está me pedindo para dizer-lhe que, por amor a Deus, não doe os livros de sua biblioteca.

Um tanto quanto espantada, D. Maria Aparecida respondeu:

Mas, Chico, eu não dispus de livro algum! Não tenho doado livro nenhum de Inácio.

— "Chico — insistiu ele — ela tem dado meus livros e provavelmente está encobrindo o fato porque o fez com grande carinho. Diga a ela que ainda preciso muito de minha biblioteca e quero conservá-la aqui em casa até o dia em que o Sanatório estiver preparado para recebê-la, numa nova e arejada sala. Conte a ela, Chico, que após a desencarnação, continuei trabalhando muito pelo Sanatório. Não tenho tido tempo ainda para conhecer outras esferas de trabalho. Diga a ela que, em meus momentos de descanso, este é o pouso bendito que busco para rever os velhos assuntos, a meditar na bondade divina. Eu preciso de meus livros, Chico!"

Aos poucos, D. Maria Aparecida foi percebendo a presença do antigo companheiro. Entre um e outro esclarecimento, que Dr. Inácio fazia-me dar, ela finalmente considerou, surpresa:

Mas, Chico, somente eu poderia saber disto! Como é que você pode estar me contando isso???

É o Dr. Inácio, D. Maria Aparecida, que está aqui, pedindo-me para falar em seu nome. A senhora me perdoe!

Decorridos alguns instantes de recordações silenciosas, repletas de saudade, D. Maria Aparecida, influenciada por amigos espirituais, convidou-me a repousar por algum tempo. Dr. Inácio esclareceu-me que o repouso se fazia necessário, tendo em vista a recomposição de nossas forças. Descansamos, então, por três horas. E somente após as cinco horas da manhã, despedimo-nos emocionados da amiga.

No caminho de volta, Dr. Inácio pediu-me o obséquio de, logo pela manhã, às 7:30 horas, telefonar à D. Maria Aparecida, a fim de relatar-lhe o ocorrido. Disse-me, também, que o Dr. Bezerra de Menezes havia considerado a necessidade de que o encontro espiritual não fosse registrado pela memória corporal de D. Maria Aparecida. Segundo Dr. Inácio, ela havia recebido dos amigos espirituais forte carga magnética de esquecimento. Não obstante, guardaria no coração e na memória espiritual aqueles instantes, daí a importância do telefonema. Chegamos em casa rápido. Entrando em meu quarto, assustei-me, sobremaneira. A princípio, pareceu-me que alguém dormia em minha cama. Sem deixar transparecer o desagrado que invadiu-me naquele momento, exclamei:

Que é isso, Dr. Inácio??? Como alguém pode estar deitado em minha cama???

— "Não há ninguém deitado lá, Chico!" — retrucou.

Como não? O senhor não está vendo esta coisa de desagradável aparência, esparramada em minha cama? Como pode ser isso, meu Deus? Dê-me paciência para tolerar esta situação, porque esta coisa horrível mais me parece uma massa gelatinosa, escura, debaixo dos lençóis!

— "Acalme-se, Chico. Confie em minha palavra. Não há ninguém em sua cama!"

Mas como é que vou deitar-me em cima disto??? — perguntei alarmado.

— "Pode confiar em mim, Chico. Está tudo certo. Vamos, deite-se".

Vagarosamente, deitei-me, então, recostando por cima daquela massa de desagradável aparência. Senti-me entrando dentro daquilo como que uma mão entrando numa luva. Um frio percorreu-me todo durante o encaixe e somente assim percebi que se tratava de meu corpo físico. Com o susto que a inesperada descoberta causou, despertei. Já não via Dr. Inácio e os primeiros raios da manhã invadiam o ambiente. Olhei em volta para ver se ainda registrava a presença do estimado confrade, mas a visão terrena nada me mostrou. Apenas pude perceber, pela mediunidade audiente, sua voz.

— "Até a próxima, Chico. Não posso ficar mais. Não se esqueça de telefonar para Maria Aparecida, às 7:30 horas, está bem?"

Disse isso e partiu. O relógio marcava 6:30 horas da manhã e não pude mais dormir, dada a emoção que me invadiu o coração. As lágrimas vieram-me espontaneamente ao rosto ao lembrar-me de Dr. Inácio Ferreira. Levantei-me, chorando, tomado de sentimentos, dirigindo-me à cozinha, a fim de fazer a primeira refeição e alimentar os gatinhos. A colaboradora de nossa casa já estava de pé e, surpresa, disse-me:

Ainda é muito cedo, seu Chico! O que é que o senhor está fazendo de pé, assim, chorando, meu Deus?!?

Minha nega, estou vindo da casa de Dr. Inácio. Estive com ele a noite toda, numa visita à D. Maria Aparecida, respondi-lhe, banhado em lágrimas, não contendo a emoção que o encontro me causara.

Pude perceber que a estimada servidora pensava silenciosamente na distância da casa de Dr. Inácio e que, com certeza, eu estava ficando doido mesmo. Passada a emoção das lembranças, esperei a chegada das 7:30 horas para desincumbir-me da tarefa. Na hora certa, liguei e D. Maria Aparecida atendeu muito surpresa. Expliquei que tinha algo a lhe relatar. Então, ficamos a conversar longamente sobre o acontecido!…

[1] Dr. Inácio Ferreira de Oliveira desencarnou em 27 de setembro de 1988. O fato ocorreu por volta de 11 de janeiro de 1989. Sua esposa: Maria Aparecida V. Ferreira.


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