segunda-feira, 6 de abril de 2015

Fé Natural

Que dedução se pode tirar do sentimento instintivo, que todos os homens trazem em si, da existência de Deus?

"A de que Deus existe; pois, donde lhes viria esse sentimento, se não tivesse uma base? (...)

O sentimento íntimo que temos da existência de Deus não poderia ser fruto da educação, resultado de idéias adquiridas?

"Se assim fosse, por que existiria nos vossos selvagens esse sentimento?"

Se o sentimento da existência de um ser supremo fosse tão-somente produto de um ensino, não seria universal e não existiria senão nos que houvessem podido receber esse ensino, conforme se dá com as noções científicas.

Não é de lastimar que o materialismo seja uma conseqüência de estudos que deveriam, contrariamente, mostrar ao homem a superioridade da inteligência que governa o mundo? (...)

"Não é exato que o materialismo seja uma conseqüência desses estudos. O homem é que deles tira uma conseqüência falsa, pela razão de lhe ser dado abusar de tudo, mesmo das melhores coisas. Acresce que o nada os amedronta mais do que eles quereriam que parecesse, e os espíritos fortes, quase sempre, são antes fanfarrões do que bravos. Na sua maioria, só são materialistas porque não têm com que encher o vazio do abismo que diante deles se abre. Mostrai-lhes uma âncora de salvação e a ela se agarrarão pressurosamente."

Origina-se de um sentimento inato a adoração, ou é fruto de ensino?

"Sentimento inato, como o da existência de Deus. A consciência da sua fraqueza leva o homem a curvar-se diante daquele que o pode proteger." (...) "A adoração está na lei natural, pois resulta de um sentimento inato no homem. Por essa razão é que existe entre todos os povos, se bem que sob formas diferentes."

O Livro dos Espíritos
Itens 5, 6, 148, 650 e 652
Paris, 1857

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Somos programados para acreditar em um Deus?

Francesca Stavrakopoulou
Diretora de Teologia e Religião da Universidade de Exeter (Inglaterra)
4 abril 2015

Apesar de acesso a conhecimento científico ter crescido, religião ainda mantém forte presença na sociedade

A religião – a crença em seres sobrenaturais, incluindo deuses e fantasmas, anjos e demônios, almas e espíritos – está presente em todas as culturas e permeia toda a História.

A discussão sobre a vida após a morte remonta a, pelo menos, 50.000 a 100.000 anos atrás.

É difícil obter dados precisos sobre o número de crentes de hoje, mas algumas pesquisas sugerem que até 84% da população do mundo são membros de grupos religiosos ou dizem que a religião é importante em suas vidas.

Vivemos em uma era de um acesso ao conhecimento científico sem precedentes, o que alguns acreditam que é incompatível com a fé religiosa. Então, por que a religião é tão difundida e persistente?

Os psicólogos, filósofos, antropólogos e até mesmo os neurocientistas sugerem possíveis explicações para a nossa disposição natural de acreditar, e para o poderoso papel que a religião parece ter em nossas vidas emocionais e sociais.

Morte, cultura e poder

Mas antes de falar das teorias atuais, é preciso entender como surgiram as religiões e o papel que elas tiveram na vida de nossos ancestrais.

As primeiras atividades religiosas foram em resposta a mudanças corporais, físicas ou materiais no ciclo da vida humana, especialmente a morte.

Os rituais de luto são uma das mais antigas formas de experiência religiosa. Muitos de nossos antepassados não acreditavam que a morte era necessariamente o fim da vida – era apenas uma transição.

Alguns acreditavam que os mortos e outros espíritos podiam ver o que estava acontecendo no mundo e ainda tinham influência sobre os eventos que estão ocorrendo.

E essa é uma noção poderosa. A ideia de que os mortos ou até mesmo os deuses estão com a gente e podem intervir em nossas vidas é reconfortante, mas também nos leva a ter muito cuidado com o que fazemos.

Os seres humanos são essencialmente sociais e, portanto, vivem em grupos. E como grupos sociais tendem à hierarquia, a religião não é exceção.

Quando há um sistema hierárquico, há um sistema de poder. E em um grupo social religioso, a hierarquia localiza seu membro mais poderoso: a divindade - Deus.

É para Deus que temos de prestar contas. Hoje em dia, a religião e o poder estão conectados. Estudos recentes mostram que lembrar de Deus nos faz mais obedientes.

Até em sociedades que reprimiram a fé, surgiu algo que tomou seu lugar, como o culto a um líder ou ao Estado.

E quanto menos estável é um país politica ou economicamente, mais provável que as pessoas busquem refúgio na religião. Os grupos religiosos podem, ao menos, oferecer o apoio que o Estado não fornece a quem se sente marginalizado.

Assim, fatores sociais ajudam a desenvolver e fortalecer a fé religiosa, assim como a forma como nos relacionamos com o mundo e com os outros.

Outras mentes

Em todas as culturas, os deuses são, essencialmente, pessoas, mesmo quando têm outras formas.

Hoje, muitos psicólogos pensam que acreditar em deuses é uma extensão do nosso reconhecimento, como animais sociais, da existência de outros. E uma demonstração da nossa tendência de ver o mundo em termos humanos.

Nós projetamos pensamentos e sentimentos humanos em outros animais e objetos, e até mesmo nas forças naturais – e essa tendência é um dos pilares da religião.

Assim argumentou-se que a crença religiosa pode ser baseada em nossos padrões de pensamento e de cultura humana. Alguns cientistas, no entanto, foram além e analisaram nossos cérebros em busca do lendário "ponto Deus".

Deus no cérebro

Os neurocientistas têm tentado comparar os cérebros dos crentes e ao dos céticos, para ver o que acontece no nosso cérebro quando rezamos ou meditamos. Se conhece pouquíssimo sobre esse campo - mas há algumas pistas, especialmente no que diz respeito às aéreas cerebrais.

O córtex pré-frontal medial está fortemente associado com a nossa capacidade e tendência para entender os pensamentos e sentimentos dos outros. Muitos estudos têm mostrado que esta região do cérebro está especialmente ativa entre os crentes religiosos, especialmente quando estão rezando. Isso corrobora a visão de que a fé religiosa é uma forma de interação social.

Já o lobo parietal, de acordo com estudos pode estar envolvido em experiências religiosas, especialmente aquelas caracterizadas com a dissolução do ego.

Pontuando a vida

Na medida em que estamos constantemente à procura de padrões, estruturas e relações de causa-efeito, a religião pode fornecer uma variedade de estratégias para que essa busca faça sentido

As crenças religiosas ajudam os seres humanos a se organizar e dar sentido a suas vidas. E em todas as culturas, e até mesmo entre ateus, os rituais podem ajudar a pontuar eventos importantes da vida.

Embora nem a neurociência, nem a antropologia e nem filosofia tenham uma resposta definitiva para a questão "Deus existe?", todas essas disciplinas dão pistas sobre como nós respondemos às nossas mais profundas necessidades humanas.

Talvez não sejamos programados para acreditar em Deus ou em um poder sobrenatural, mas somos animais sociais com uma necessidade evolutiva de ficar conectado com o mundo e com os outros.

De repente, as religiões são apenas canais para permitir essas conexões.

Fonte: BBC

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