quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Nada esperar...

"(...) ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil. Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que lhe emprestes. (...) para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos. (...) Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial."
Jesus
Mateus, Capítulo 5


 
Raiva é resultado de desejos e expectativas frustrados

Rancor e mágoa causados pelo sentimento podem gerar doenças graves como a depressão
 
Por Natalia do Vale
 
O sangue ferve, a respiração fica ofegante, a cara fica sisuda, o seu dia parece que acabou naquele exato momento. A cena descrita é um efeito presente em situações do nosso dia a dia: o que você sente é raiva. O problema é que quando não é trabalhada psicologicamente, a raiva gera rancor, mágoa e até dor física, que podem levar a doenças como depressão e estresse, além de prejudicar os relacionamentos.
 
Guardar para si esta sensação ruim só potencializa a angústia, por isso os especialistas aconselham ponderação e maturidade na hora de lidar com ela. "Estamos suscetíveis a senti-la já que estabelecemos relações afetivas com o outro, porém, devemos aceitar que ele não é o culpado pelo o que sentimos. Sentimos raiva por que não temos nossas expectativas concretizadas e daí vem a mágoa. Só que o outro não tem que, necessariamente corresponder as nossas expectativas, mesmo quando a causa é a injustiça ou a humilhação. Não somos iguais", explica o psicólogo Chris Almeida.
 
Uma pitada necessária, mas perigosa

Para o psicólogo Chris Almeida, a raiva é um sentimento fundamental para as relações humanas. "Ela faz você reagir ao que te faz mal, faz você querer mudar", explica ele. "Porém, quando em dose excessiva, causa mágoa e rancor e provoca muito mais mal para quem a sente do que para quem a despertou", continua. "Se a pessoa não sabe lidar com a frustração, pode desenvolver quadros de depressão e estresse graves, que só serão curados quando o paciente aceitar que a realidade nem sempre corresponde ao esperado", alerta o psicólogo.
 
O mundo não gira ao seu redor

Faz parte de saber lidar com a raiva entender que caminhamos sozinhos e que devemos correr atrás das coisas que queremos sem esperar delas nada em troca. Quando crianças, somos levados a acreditar que somos o centro das atenções e nos acostumamos com mimos e manhas e, quando crescemos, é difícil perceber que isso mudou e que as pessoas não vão fazer tudo o que queremos. "Quando não espero do outro aquilo que posso fazer por mim mesmo, não há frustração. A raiva é irmã mais velha do fracasso. Se valorizo demais esse sentimento, é por que deposito sempre no outro aquilo que é minha obrigação", explica o psicólogo.
 
O culpado sou eu?

Para Chris Almeida, a raiva é sempre causada pelas expectativas que depositamos no outro e não por culpa de alguém. Por isso, antes de culpar o outro pela raiva que sentiu, lembre-se de que você depositou sobre ele expectativas e desejos que são seus. "Mesmo quando esbarramos na mesinha da sala ao tentar chegar na cozinha, e sentimos raiva por isso, a causa do problema é a frustração de termos sido impedidos de fazer algo. A raiva é sempre fruto de um desejo que não se cumpre", explica o psicólogo. 
 
Pronto, falei!

Guardar para si o sentimento é sempre pior. A raiva guardada vai se armazenando e tomando dimensões maiores. Na hora do desabafo, muitas vezes, aparecem mágoas do passado que estavam adormecidas e geram ainda mais confusão. "Por isso, resolva o problema conversando com o outro e tenha sempre em mente que ele não tem a obrigação de corresponder as suas expectativas", sugere o psicólogo.
 
Espere a poeira baixar

Na hora da raiva, a sensação de angústia e mal-estar sempre supera a racionalidade, agimos por impulso, e depois nos arrependemos. Para evitar essa situação, o psicólogo aconselha paciência e ponderação: "Espere a poeira baixar. Depois de certo tempo, digerimos melhor as coisas e não magoamos quem não tem culpa e, muitas vezes, evitamos que o problema se torne ainda maior por simples falta de jeito de lidar com a situação", diz ele.
 
 
Extravase e liberte-se
 
Se não dá para falar com o outro sobre a raiva para resolver e deixar as coisas às claras, o jeito é optar por meios alternativos. "Que tal um saco de pancadas ou um grito? Isso alivia a tensão", sugere Chris.

Manual para não deixar que a raiva tome conta de você

1- Não crie muitas expectativas em relação ao comportamento dos outros

2- Aceite o fato de que você não é o centro de tudo

3- Alivie a tensão com diálogo e métodos alternativos: exercícios físicos e meditação podem ser boas opções. "A raiva é como uma toxina, e precisa ser liberada para não se converter em coisas ruins", explica o psicólogo.

4- Procure reverter a raiva em estímulo, assim, você canaliza sua força para fazer coisas boas
 
Fonte: MinhaVida

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Fonte Sagrda

"há eunucos que nasceram assim;
e há eunucos que pelos homens foram feitos assim;
e outros há que a si mesmos se fizeram eunucos
por causa do reino dos céus.
Quem pode aceitar isso, aceite-o."
Jesus (Mateus, Cap. 19)



"Amigo Ramon, (...) se há algo que me intriga desde muito tempo, este algo é a sexualidade humana. Já ouvi e li inúmeros conceitos sobre diferenças, maneiras de pensar e agir, etc. e etc., e tudo isso, em vez de esclarecer minhas dúvidas, deixa-me cada dia mais perturbado e com menos vontade de ter um relacionamento. (...) Posso ser o homem mais donzelo e carente de amor deste mundo: eu tenho razões de pensar desta maneira atualmente. (...) Mas assim eu busco ser feliz e creio que assim permanecerei. (...) Aquele abraço"
 

 
Caro amigo,
 
O mundo está mudando depressa, mas ainda temos de conviver com muitos preconceitos e modelos impostos pela ignorância.
 
Mesmo jovem, você é uma pessoa bem resolvida e tem muita personalidade. Perturba-se pouco com a gritaria do senso comum. Isso é raro nessa idade, em que somos assediados por tantos apelos e conceitos distorcidos. Só agora, aos 36 anos, é que tenho conquistado um pouco de paz em relação às expectativas deste mundo, dando mais importância às minhas escolhas. Você está alcançando isso bem mais cedo, o que é muito bom.
 
Os humanos somos seres de origem divina, condição espiritual e situação animal. Ou seja, fomos criados por Deus, como espíritos livres, mas habitamos temporariamente um corpo perecível. Se a Terra é uma escola, este é o nosso uniforme. Acredita-se que os egípcios tenham simbolizado esta verdade na esfinge: cabeça de homem num corpo animal.
 
Para preservar este corpo e perpetuar a espécie, a Natureza nos dotou de alguns instintos, como o sexual. O que seria da humanidade sem ele? Certamente se extinguiria, pois ninguém procriaria apenas pelo "nobre dever" de povoar o planeta :-) Isso, do ponto de vista material.
 
Espiritualmente, o sexo é apenas UMA das expressões do AMOR. O impulso sexual (kundalini, para os hindus) é uma grande usina gerando energia constantemente. Energia que cabe a nós decidir como aplicar: fisicamente, intelectualmente, artisticamente, etc. Só não é permitido desligar, nem recomendado reprimir.
 
Canalizar esta força é um desafio bem diferente para cada um, pois às vezes os hormônios irrompem, o animal se agita e a alma tem dificuldade de domar sua montaria. Mas as rédeas estão sempre em nossas mãos.
 
Neste sentido, percebo que você está indo bem, pois demonstra facilidde em transformar essa energia. Sua dificuldade, pelo que percebo, é enfrentar os padrões de comportamento socialmente estabelecidos. Quanto a isso, jamais se preocupe, pois enquanto puder se justificar diante de sua CONSCIÊNCIA, será sempre feliz, ainda que ninguém mais entenda.
 
Um forte abraço!
 
Ramon de Andrade
Palmares-PE

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Âncoras da Vida

"Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus." 
"Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do Mal."
Jesus 
Mateus, 22 / João, 17 
______________________________________________________
 
Autismo e interesse pela vida

O autismo é um caso muito sério, podendo ser considerado uma verdadeira calamidade. Tanto envolve crianças quanto adultos… Os médiuns também, por vezes, principalmente os solteiros, sofrem desse mal, pois que vivem sintonizados com o Mundo Espiritual, desinteressando-se da Terra…  É preciso que alguma coisa nos prenda no mundo, porque, senão, perdemos a vontade de permanecer no corpo… Vejam bem: O que é que me interessa na Terra? A não ser a tarefa mediúnica, nada mais. Dinheiro, eu só quero o necessário para sobreviver; casa, eu não tenho o que fazer com mais de uma… Então, eu procuro me interessar pelos meus gatos e meus cachorros. Quando um adoece ou morre, eu choro muito, porque se eu não me ligar em alguma coisa, eu deixo vocês…
 
O Evangelho de Chico Xavier
Ensinamentos Anotados por Carlos Bacelli
Capítulo 240

domingo, 25 de setembro de 2011

Loucura e Transtornos Mentais


"Ramon (...) Agora te questiono sobre os loucos que fazem parte dos sanatórios, o que diz a espiritualidade sobre esses individuos, que no decorrer de sua vidas por algum motivo perdem a razão, por que acontece isso com alguns e outros não? Agradeço a atençao."  Daisy



Oi, Daisy!

Gosto de suas perguntas porque me botam pra estudar :-)

Neste tema, como em muitos outros relativos à alma humana, não existe uma resposta única que sirva para explicar todos os casos.

Pelo que pude perceber nesta pesquisa, são três as causas mais comuns das doenças mentais:

1. Origem orgânica: quando o próprio cébrebro (o órgão) adoece. Algumas doenças, como a sífilis, podem comprometer o funcioamento do próprio cérebro, impedindo que o espírito encarnado expresse claramente seus pensamentos. Seria então como uma doença nos olhos causando a cegueira, ou nos ouvidos causando a surdez. Não tem necessariamente uma origem espiritual direta (carma da loucura), sendo apenas uma consequência (sintoma) de outra enfermidade.

2. Processos de culpa, por ação ou omissão: quando agimos erradamente, usando benefícios que recebemos da vida em prejuízo de outras pessoas (ação), estas vítimas retornam em busca de vingança, e se utilizam do nosso sentimento de culpa como uma arma para desencadear processos de loucura. Também quando deixamos de usar estes benefícios em favor dos semelhantes ao longo de nossa vida (omissão), desenvolvemos um remorço, uma sentimento de oportunidade perdida que também pode desencadear processos de alienação no plano espiritual. Ambas as situações são referidas no evangelho, nas passagens abaixo:

"Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele; para que não aconteça que o adversário te entregue ao guarda, e sejas lançado na prisão. Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil." (Mateus, 5:25-26)

"Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei, e colho onde não plantei? Devias então entregar o meu dinheiro aos banqueiros e, vindo eu, tê-lo-ia recebido com juros. Tirai-lhe, pois, o talento e dai ao que tem os dez talentos. Porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, até aquilo que tem ser-lhe-á tirado. E lançai o servo inútil nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes." (Mateus, 25:26-30)

3. Fuga da realidade: situação em que o espírito reencarnado não suporta as provas que escolheu e prefere se refugiar nas lembranças de vidas passadas, mas agradáveis ao cultivo de suas ilusões, vícios e paixões. São aqueles casos clássicos em que os alienados se idetificam como nobres e autoridades do passado, por não tolerar as privações e adversidades escolhidas para a existência atual.

Estas foram as conclusões que retirei das fontes abaixo, que coloquei em ordem crescente de aprofundamento, para que você vá lendo à medida que deseje saber mais detalhes.

Boas reflexões!

Ramon de Andrade
Palmares-PE



Idiotismo e Loucura

A opinião de que os cretinos e os idiotas teriam uma alma de natureza inferior tem fundamento?

— Não. Eles têm uma alma humana freqüentemente mais inteligente do que pensais, e que sofre com a insuficiência dos meios de que dispõe para se comunicar, como o mudo sofre por não poder falar.

Qual é o objetivo da Providência ao criar seres desgraçados como  os cretinos e os idiotas?

— São os Espíritos em punição que vivem em corpos de idiotas. Esses Espíritos sofrem com o constrangimento a que estão sujeitos e pela  impossibilidade de manifestar-se através de órgãos não desenvolvidos ou defeituosos.

Então não é exato dizer que os órgãos não exercem influência sobre as faculdades?

— Jamais dissemos que os órgãos não exercem influência. Eles a exercem, e muito grande, sobre a manifestação das faculdades, mas não produzem as faculdades. Esta a diferença. Um bom músico, com um mau instrumento, não fará boa música, o que não o impede de ser um bom músico.

Comentário de Kardec:  É necessário distinguir o estado normal do estado patológico. No estado normal, o moral supera o obstáculo material. Mas há casos em que a matéria oferece uma tal resistência que as manifestações são entravadas ou desnaturadas, como na idiotia e na loucura. Esses são casos patológicos, e em tal estado a alma não goza de toda a sua liberdade. A própria lei humana a isenta da responsabilidade dos seus atos.

Qual o mérito da existência para seres que, como os idiotas e os cretinos, não podendo fazer o bem nem o mal, não podem progredir?

— É uma expiação imposta ao abuso que tenham feito de certas faculdades; é um tempo de suspensão.

Um corpo de idiota pode então encerrar um Espírito que tivesse um homem de gênio, numa existência precedente?

— Sim, o gênio torna-se às vezes uma desgraça, quando dele se abusa.

Comentário de Kardec:  A superioridade moral não está sempre na razão da superioridade intelectual, e os maiores gênios podem ter muito a expiar; daí resulta freqüentemente para eles uma existência inferior às que já tenham vivido, e uma causa de sofrimentos. Os entraves que o Espírito prova em suas manifestações são para ele como as cadeias que constrangem os movimentos de um homem vigoroso. Pode-se dizer que os cretinos e os idiotas são estropiados do cérebro, como o coxo o é das pernas e o cego dos olhos.

O idiota, no estado de Espírito, tem consciência de seu estado mental?

— Sim, muito freqüentemente. Compreende que as cadeias que entravam seu desenvolvimento são uma prova e uma expiação.

Qual é a situação do Espírito na loucura?

— O Espírito, quando em liberdade, recebe diretamente suas impressões e exerce diretamente a sua ação sobre a matéria; mas, encarnado, encontra-se em condições totalmente diferentes e na contingência de não afazer senão com a ajuda de órgãos especiais. Que uma parte ou conjunto desses órgãos sejam alterados, e a sua ação ou suas impressões, no que respeita a esses órgãos, ficam interrompidos. Se ele perde os olhos, fica cego; sem os ouvidos, fica surdo etc. Imagina agora se o órgão que preside aos efeitos da inteligência e da vontade for parcial ou inteiramente atacado ou modificado, e fácil te será compreender que o Espírito, só tendo então a seu serviço órgãos incompletos ou alterados, deve entrar numa perturbação de que, por si mesmo e no seu foro íntimo, tem perfeita consciência, mas cujo curso já não pode deter.

É então sempre o corpo e não o Espírito o desorganizado?

 —  Sim; mas é necessário não perder de vista que, da mesma maneira que o Espírito age sobre a matéria, esta reage sobre ele numa certa medida, e que o Espírito pode encontrar-se momentaneamente impressionado pela alteração dos órgãos através dos quais se manifesta e recebe as suas impressões. Pode acontecer que, com o tempo, quando a loucura durou bastante, a repetição dos mesmos atos acabe por exercer sobre o Espírito uma influencia da qual ele não se livrará senão depois da sua completa separação de toda impressão material.

Qual a razão por que a loucura leva algumas vezes ao suicídio?

— O Espírito sofre pelo constrangimento a que está submetido e pela impotência para manifestar-se livremente. Por isso busca libertar-se por  intermédio da morte.

Após a morte, o Espírito se ressente da perturbação de suas Faculdades?

— Ele pode ressentir-se durante algum tempo, até que esteja  completamente desligado da matéria, como o homem que, ao acordar, se ressente por algum tempo da perturbação em que o sono o mergulhara.

Como a alteração do cérebro pode reagir sobre o Espírito após a morte?

— É uma lembrança. Um peso oprime o Espírito, e como ele não teve consciência de tudo o que se passou durante a sua loucura, é necessário um  certo tempo para que se ponha ao corrente. É por isso que, quanto mais tenha durado a loucura, durante a vida, mais longamente durará a tortura, o constrangimento, após a morte. O Espírito desligado do corpo se ressente por algum tempo da impressão dos seus ligamentos.

Mundo dos Espíritos
Capítulo 7
Retorno à Vida Corporal
Idiotismo e Loucura
Questões 371 a 378



A loucura é sempre uma prova? 

O desequilíbrio mental é sempre uma prova difícil e dolorosa. Essa realidade, contudo, podendo representar o resgate de uma dívida do pretérito escabroso e desconhecido pode, igualmente, constituir uma resultante da imprevidência de hoje, no presente que passa, fazendo necessária, acima de todas as exortações, aquela que recomenda a oração e a vigilância.

Emmanuel, por Chico Xavier
No livro O Consolador
Pargunta 51



Alienação mental
 
Enquanto o vício se nos reflete no corpo, os abusos da consciência se nos estampam na alma, segundo a modalidade de nossos desregramentos.

É assim que atravessam as cinzas da morte, em perigoso desequilíbrio da mente, quantos se consagraram no mundo à crueldade e à injustiça, furtando a segurança e a felicidade dos outros.

Fazedores de guerra que depravaram a confiança do povo com peçonhento apetite de sangue e ouro, legisladores despóticos que perverteram a autoridade, magnatas do comércio que segregaram o pão, agravando a penúria do próximo, profissionais do direito que buscaram torturar a verdade em proveito do crime, expoentes da usura que trancafiaram a riqueza coletiva necessária ao progresso, artistas que venderam a sensibilidade e a cultura, degradando os sentimentos da multidão, e homens e mulheres que trocaram o templo do lar pelas aventuras da deserção, acabando no suicídio ou na delinquência, encarceram-se nos vórtices da loucura, penetrando, depois, na vida espiritual como fantasmas de arrependimento e remorso, arrastando consigo as telas horripilantes da culpa em que se lhes agregam os pensamentos.

E a única terapêutica de semelhantes doentes é a volta aos berços de sombra em que, através da reencarnação redentora, ressurgem no vaso físico  —  cela preciosa de tratamento  —,  na condição de crianças-problemas em dolorosas perturbações.  

Todos vós, desse modo, que recebestes no lar anjos tristes, no eclipse da razão, conchegai-os com paciência e ternura, porquanto são, quase sempre, laços enfermos de nosso próprio passado, inteligências que decerto auxiliamos irrefletidamente a perder e que, hoje, retornam à concha de nossos braços, esmolando entendimento e carinho, para que se refaçam, na clausura da inibição e da idiotia, para a bênção da liberdade e para a glória da luz.

Emmanuel, por Chico Xavier
No livro Religião dos Espíritos
Reunião pública de 23 de Janeiro de 1959
Sobre a questão n° 373 de O Livro dos Espíritos


Loucura e resgate

Na noite de 26 de abril de 1956, foi trazido à comunicação o Espírito que sofreu aflitiva prova na alienação mental. Os apontamentos do visitante, que foram alinhados sob a legenda “loucura e resgate”,  valem igualmente a nosso ver, por precioso estudo no tema “reencarnação e justiça”. 

Conduzido ao recinto por devotados Instrutores Espirituais, recomendam eles algo vos diga de minhas provas.

Entretanto, minhas dificuldades são quase insuperáveis para relacionar com a palavra os tremendos episódios de minha terrível experiência.

Sou uma alma pobre que ainda convalesce de aflitiva loucura no campo físico.

Não creio que o verbo articulado possa exprimir com segurança tudo aquilo que expresse meus estados emocionais.

Ainda assim, posso garantir-vos que tenho atravessado inimagináveis suplícios.

Por mais de vinte anos, fui vítima de flagelações e tormentos que culminaram em transes de pavoroso desespero, não pelas dores de origem material que me dilaceravam o corpo, mas sim porque, na condição de alienado mental, guardava, no fundo de meu ser, a consciência de todos os meus atos, embora não pudesse governar meus infelizes impulsos.

Perambulei no mundo à maneira de alguém que se visse sob o guante invencível de Inteligências perversas, como pode acontecer a um homem irremediavelmente prisioneiro de malfeitores, em sua própria moradia.

Por mais orasse, por mais anelasse o bem e por mais quisesse comandar a própria existência, os terríveis carcereiros das minhas atividades mentais compeliam-me a atitudes deploráveis que, de início, me angariaram o desafeto dos familiares mais queridos ao coração.

Era constrangido a práticas ignominiosas, impelido a pronunciar palavras que me afastavam toda e qualquer simpatia e a perpetrar atos que provocavam, em torno de mim, repugnância e temor.

E, por essa razão, relegado à atmosfera deprimente dos loucos, nela padeci não apenas os mais dolorosos processos de tratamento médico, como sejam, a insulinoterapia, a malarioterapia e o eletrochoque, mas também os bofetões de enfermeiros desapiedados e o poste de martírio, a camisa de força e a solidão.

Isso tudo sofri com a tácita aprovação de minha consciência, pois no íntimo me reconhecia culpado.

Colocava-me na situação de quantos me assistiam caridosamente e concluía que, na posição deles, infligiria a mim mesmo os mais duros castigos, de vez que os ocupantes de meu campo mental me impeliam à delinquência e ao desrespeito, ao insulto e à viciação.

Chorei tanto, que acredito haverem as lágrimas aniquilado os meus olhos encadeados a medonhas alucinações. Amarguei tanto a vida que o sofrimento por fim me venceu diante das testemunhas implacáveis de minha dor  —  testemunhas que me acusavam sem que ninguém as ouvisse, que me espancavam sem que ninguém lhes presenciasse os assaltos, que me acompanhavam dia e noite sem que ninguém lhes pressentisse a presença.

E tamanho foi o meu infortúnio que, em me libertando do cárcere da prova, desarvorado e desiludido, pedi à Providência Divina, através de mil modos, que uma explicação me aliviasse o torturado raciocínio, porquanto, ainda mesmo fora do corpo carnal, a malta de perseguidores continuava assacando contra mim gritos soezes, tentando escravizar-me de novo a mente desditosa…

Foi, então, que, ao socorro de Instrutores Amigos, me vi em surpreendente retorno à condição em que me achava antes da internação na carne para a terrível provação da loucura… Identifiquei-me em pleno espaço, desolado e errante, cercado por centenas de verdugos que me buscavam o Espírito, impondo-me à visão tremendos quadros — quadros esses que, pouco a pouco, me reconduziram ao posto que eu deixara anteriormente, através da morte…

Sim, eu havia sido um juiz que abusara da dignidade do meu cargo.

Vi-me envergando a toga do magistrado, que me competia preservar impoluta, desfrutando invejável eminência social na  Terra, mas enceguecido pelos interesses do grupo político a que me filiara, com desvairada paixão.

Torcia o direito para quase todos aqueles que me buscavam, tangidos pelas circunstâncias, conspurcando o tribunal que me respeitava, transformando-o em ominoso instrumento de crime e revolta, perversidade e miséria, desânimo e desespero, porque as minhas sentenças forjavam todos esses males.

Mas não consegui ludibriar a verdadeira justiça.

Deixando o veículo físico, as minhas vítimas se converteram em meus juízes e todas aquelas que me não podiam perdoar seguiram-me os passos na esfera espiritual, tecendo-me a cadeia de tormentos inomináveis, a explodirem no pavoroso desequilíbrio com que ressurgi entre as criaturas humanas, na existência última.

Atravessei uma infância atormentada…

Para os médicos, eu não passava de pobre exemplar da esquizofrenia.

Alcancei a juventude tumultuária e triste dos que não possuem qualquer estabilidade de raciocínio para a fixação dos bons propósitos, e, tão logo atingi a maioridade, meus implacáveis acusadores senhorearam-me a estrada, conturbando-me a vida, e, desse modo, como alienado mental fui submetido ao julgamento de todos eles, experimentando, por mais de quatro lustros, flagelações e torturas que não posso desejar aos próprios Espíritos satanizados nas trevas.

Sou, assim, um doente desventurado procurando restaurar a si mesmo, depois de terrível inferno no coração.

Não acredito que a minha palavra possa trazer qualquer apontamento que induza ao consolo.

Entretanto, o juiz louco que fui, o juiz que impôs a si próprio horrenda enfermidade da alma, pode oferecer alguma advertência aos que manobram com a autoridade no mundo e a todos os que ainda podem recuar nas deliberações infelizes!…

Diante de mim vibra o Tempo, o grande julgador… Possa a Divina Compaixão conceder-me com esse juiz silencioso, cujas palavras para nós são as horas e os dias do mundo terrestre, a oportunidade de ressarcir minhas faltas, porque, por enquanto, o juiz que dementou a si mesmo apenas ingressou na fase inicial do reajuste, da qual se transferirá para o campo expiatório, onde, face a face com as suas antigas vítimas, será obrigado a solver seus clamorosos débitos, ceitil por ceitil.

Deus seja louvado!… 

Raimundo Teixeira
(Espírito amigo não identificado)
Vozes do Grande Além
Autores diversos
Por Chico Xavier
Capítulo 46
  


O INESPERADO

O sanatório ficava a quase meio quilômetro da estrada, através da qual realizaríamos a visita.

Batuíra, o veterano servidor de Jesus, o orientador de nossa diminuta caravana de três pessoas: ele e nós dois, os aprendizes que o acompanhavam.

A excursão estava esquematizada, desde a véspera, e o chefe do instituto nos recebeu cordialmente. Sentamo-nos ao lado dele que nos pareceu um homem sofrido e inteligente, a falar da organização, erguida no Mundo Espiritual, a fim de acolher os irmãos portadores de complexos de culpa e, por isso mesmo, positivamente vistos na condição de alienados mentais, depois da morte do corpo físico.

De quando em quando, ouvíamos exclamações quais estas, que passamos a enumerar e que vinham até nós, do grande pátio de confraternização dos doentes a que nos referimos:

— Por que não fiz?
— Não suporto este inferno!…
— Como adquiri tanta dor de consciência?
— Por que sou maldito, qual me vejo?

Já me sentia intrigado, com o que escutávamos, quando o diretor nos liberou a curiosidade, autorizando:

— Podem os amigos indagar, à vontade, quanto a qualquer aspecto de nossa moradia…

Então, volvendo a pedir o consentimento de Batuíra, através do olhar, perguntei:

—  Os alienados mentais, cujo tratamento o senhor superintende, procedem de lugares ou situações determinadas?

Se enfermaram o cérebro com estados de culpa, teriam sido eles grandes criminosos do gênero humano? Neste milênio, em vias de terminar, chefes insensíveis, religiosos sem amor, políticos que fomentaram a guerra, inteligências que se transviaram para seduzir as próprias vítimas e massacrá-las… Que pode o senhor dizer nos a respeito disso?

O paciente mentor, que ali dirigia vasta plêiade de médicos, especialmente psiquiatras, psicólogos e analistas, mostrou-me paternal sorriso e explicou:

— Meu filho, a sua indagação é oportuna. Devo, no entanto, esclarecer que nosso sanatório, um dos muitos que funcionam com os mesmos objetivos, nestas regiões, acolhe especialmente aqueles companheiros que conheciam as lições de Jesus, que as ouviram com aparente piedade, que não guardavam qualquer dúvida quanto a legitimidade dos ensinamentos do Divino Mestre e que até mesmo sustentavam ardentes discussões com os outros, de modo a defender
lhe o prestígio; eram faladores exímios mas não moveram sequer uma palha para auxiliar a ninguém.

Acreditavam e aceitavam Jesus, no entanto, viviam exclusivamente para si, confinados ao círculo doméstico, sem despenderem uma hora para aliviarem um doente e nunca sacaram do bolso um só vintém em auxílio a boas obras…

Viveram no mundo como entendiam, sem a mínima disposição para servir e chegam à Vida Espiritual em que nos achamos, desorientados com o espírito de posse a lhes atazanar a cabeça e com a força da culpa a lhes pressionar os pensamentos.

A princípio, choram arrependidos, recordando o tempo que perderam, do qual nunca retiram a mais ligeira parcela, a fim de prestarem apoio a quem quer que seja. Criam, em seguida, uma espécie de doença mental de etiologia obscura e estamos investigando caso a caso, para descobrir a terapia mais adequada ao respectivo tratamento. Abraçavam as ideias e exemplos de Jesus, entretanto, andavam no mundo qual se o desconhecessem.

Depois que alguns reconquistarem o equilíbrio espiritual, passaremos a analisar-lhes a personalidade com as respectivas conexões sobre as pessoas, terras e haveres que deixaram na Terra.

Escutei a resposta e assustei-me.

Batuíra manteve silêncio.

O meu colega estava pálido…

E, agradecendo a Jesus ter voltado, ainda cedo, da existência física para aprender a trabalhar e servir, na Seara do Bem, calei qualquer nova indagação e comecei a pensar… 

Augusto Cezar, por Chico Xavier
No Livro Fotos da vida
Capítulo 13



ALIENADOS MENTAIS

Antes de visitarmos as cavernas de sofrimento, Calderaro instou-me a fazer com ele rápida visita a grande instituto consagrado ao recolhimento de alienados mentais, na Esfera da Crosta.

- Compreenderás, então, mais exatamente – explicou, generoso, dirigindo-se a mim com a delicadeza que lhe é peculiar – a tragédia dos homens desencarnados, em pleno desequilíbrio das sensações. Excetuados os casos puramente orgânicos, o louco é alguém que procurou forçar a libertação do aprendizado terrestre, por indisciplina ou ignorância. Temos neste domínio um gênero de suicídio hàbilmente dissimulado, a auto-eliminação da harmonia mental, pela inconformação da alma nos quadros de luta que a existência humana apresenta. Diante da dor, do obstáculo ou da morte, milhares de pessoas capitulam, entregando-se, sem resistência, à perturbação destruidora, que lhes abre, por fim, as portas do túmulo. A princípio, são meros descontentes e desesperados, que passam despercebidos mesmo àqueles que os acompanham de mais perto. Pouco a pouco, no entanto, transformam-se em doentes mentais de variadas gradações, de cura quase impossível, portadores que são de problemas inextricáveis e ingratos. Imperceptíveis frutos da desobediência começam por arruinar o patrimônio fisiológico que lhes foi confiado na Crosta da Terra, e acabam empobrecidos e infortunados. Aflitos e semimortos, são eles homens e mulheres que desde os círculos terrenos padecem, encovados em precipícios infernais, por se haverem rebelado aos desígnios divinos, preterindo-os, na escola benéfica da luta aperfeiçoadora, pelos caprichos insensatos.

Guardando carinhosamente a observação, acompanhei-o na excursão matinal ao grande estabelecimento, onde os mentecaptos eram em grande número.

No primeiro pátio que topamos, compacta era a quantidade de mulheres desequilibradas que palestravam.

Uma velha de cabelos nevados, mostrando acerba ferocidade no olhar, envergava o uniforme da casa, como quem arrastasse um vestido real, e dizia a duas companheiras apáticas:

- Na minha qualidade de marquesa, não tolero a intromissão de médicos inconscientes. Creio estar presa por motivos secretos de família, que averiguarei na primeira oportunidade. Tenho poderosos inimigos na Corte; contudo, as minhas amizades são mais prestigiosas e fiéis.

Baixou a voz, como receando espias ocultos, e falou ao ouvido de uma das irmãs de sofrimento:

- O Imperador está interessado em meu caso e punirá os culpados. Segregaram-me por miseráveis questões de dinheiro.

Elevando o diapasão, inesperadamente, bradou:

- Todos pagarão! Todos pagarão!

E continuava explicando com gestos de grande senhora.

Compungia-me observar a promiscuidade entre as enfermas encarnadas e as entidades infelizes, que ali se acotovelavam, Preso ainda ao meu antigo vezo de curiosidade, tentei estacar, a fim de ouvir a demente até ao fim, mas o Assistente deu-se pressa em considerar:

- Não nos detenhamos. Infelizmente, atravessamos vasta galeria de padecimento expiatório, onde nossos recursos socorristas não ofereceriam vantagens imediatas. Aqui, quase todos os alienados são criaturas que abdicaram a realidade, atendo-se a circunstâncias do passado sem mais razão de ser. Essa desventurada irmã já possuiu títulos de nobreza em existência anterior; perpetrou clamorosas faltas, dando expansão às energias cegas do orgulho e da vaidade. Renascendo em aprendizado humilde para o reajustamento imprescindível, alarmou-se ante as primeiras provações mais rudes da correção benfeitora, reagiu contra os resultados da própria sementeira, entregou o invólucro físico ao curso de ocorrências nefastas, e, por fim, situou-se mentalmente em zonas mais baixas da personalidade, passando a residir, em pensamento, no pretérito de mentiras brilhantes. Agarrou-se, desesperada, às recordações da marquesa vaidosa de salões que já desapareceram, e perambula nos vales da demência em lastimáveis condições.

Não déramos muitos passos, encontramos novo ajuntamento, em que sobressaía curiosa dama, extremamente nervosa.

- Deus me livre de todos, Deus me livre de todos! – gritava, inquieta. – Não voltarei! Nunca, nunca!...

Aproxima-se, cordata, a enfermeira, e pede:

- Senhora, mais calma! É seu marido que vem à visita. Vamos ao guarda-roupa.

E sorrindo:

- Não se sente feliz?

- Jamais! – bradava a demente com espantoso semblante de angústia. – Não quero vê-lo! Odeio-o, odeio com tudo o que lhe pertence!

Repetindo expressões de desprezo, inteiriçou-se, caindo em lamentável crise de nervos, pelo que a auxiliar da enfermagem houve que requisitar socorro urgente.

Desejei reter-me, a fim de estudar a situação, mas o Assistente impediu-mo, esclarecendo:

- Não percas tempo. Não remediarias o mal. Nossa passagem aqui é rápida. Recomendo apenas anotes o refúgio de todos o que se esquecem dos deveres presentes, pretendendo escapar aos imperativos da realidade educadora.

Modificou a inflexão da voz e prosseguiu:

- “Não asseguramos que todos os casos do hospício se relacionem exclusivamente com esse fator. Muita gente atravessa este pavoroso túnel, premiada por exigências da prova retificadora; é, no entanto, forçoso reconhecer que a maioria encetou o pungitivo drama em si mesma. São irmãos nossos, revoltados ante os desígnios superiores que os conduziram a recapitular ensinamentos difíceis, qual o de se reaproximarem de velhos inimigos por intermédio de laços consangüíneos, ou o de enfrentarem obstáculos aparentemente insuperáveis.

“Para que se efetue a jornada iluminativa do espírito é indispensável deslocar a mente, revolver as idéias, renovar as concepções e modificar, invariavelmente, para o bem maior o modo íntimo de ser, tal qual procedemos com o solo na revivificação da lavoura produtiva ou com qualquer instituto humano em reestruturação para o progresso geral. Negando-se, porém, a alma a receber o auxílio divino, através dos processos de transformação incessante que lhe são oferecidos, em seu benefício próprio, pelas diferentes situações de que os dias se compõem no aprendizado carnal, recolhe-se à margem da estrada, criando paisagens perturbadoras com desejos injustificáveis.

“Quase podemos afirmar que noventa em cem dos casos de loucura, excetuados aqueles que se originam da incursão microbiana sobre a matéria cinzenta, começam nas conseqüências das faltas graves que praticamos, com a impaciência ou com a tristeza, isto é, por intermédio de atitudes mentais que imprimem deploráveis reflexos ao caminho daqueles que as acolhem e alimentam.

Instaladas essas forças desequilibradas no campo íntimo, inicia-se a desintegração da harmonia mental: esta por vezes perdura, não só numa existência, mas em várias delas, até que o interessado se disponha, com fidelidade, a valer-se das bênçãos divinas que o aljofram, para restabelecer a tranqüilidade e a capacidade de renovação que lhe são inerentes à individualidade, em abençoado serviço evolutivo. “Pela rebeldia, a alma responsável pode encaminhar-se para muitos crimes, a cujos resultados nefastos se cativa indefinidamente; e, pelo desânimo, é propensa a cair nos despenhadeiros da inércia, com fatal atraso nas edificações que lhe cabe providenciar”.

Nesse ponto dos esclarecimentos, penetrávamos extensa varanda no departamento masculino e logo se nos deparou um homem que decerto se enquadrava entre os esquizofrênicos absolutos. Rodeavam-no algumas entidades de sombrio aspecto. Semelhava-se o doente a perfeito autômato, sob o guante de tais companheiros. Exibia gestos maquinais, e, ao guarda que se aproximava, cauteloso, explicou em tom muito sério:

- Venha, “seu” João. Não tenha receio. Ontem eu era o “leão”, mas hoje, sabe o senhor o que eu sou?

Ante o enfermeiro hesitante, concluiu:

- Hoje sou a “bananeira”.

Encontraria, eu, sem dúvida, no caso, excelente ensejo de enriquecer experiências, porquanto de pronto reconhecera a entrosagem completa entre a vítima e os obsessores que lhe eram invisíveis. O desditoso era rematado fantoche nas mãos dos algozes tìpicamente perversos.

Calderaro, porém, não me permitiu interromper a marcha.

- O processo de desequilíbrio está consumado – informou -, e não encontrarias possibilidade de recompor-lhe, em serviço rápido, as energias mentais centralizadas na região inferior. O infeliz vem sendo objeto de práticas hipnóticas de implacáveis perseguidores; acha-se exposto a emissões contínuas de forças que o deprimem e enlouquecem.

- Céus! – exclamei, aparvalhado – como socorrê-lo?

- Trata-se de um homem – acrescentou o orientador – que em encarnações anteriores abusou do magnetismo pessoal.

Não pude sopitar a objeção que me nasceu espontânea:

- Como? As ciências magnéticas são de ontem...

Calderaro estampou no olhar a condescendência que lhe é característica e retorquiu:

- Acreditas que tenham sido iniciadas com Mesmer?

E, sorrindo, ajuntou:

- Se consideráramos o sentido literal do texto, o abuso de magnetismo pessoal teria começado com Eva, no paraíso...

Indicou o enfermo e prosseguiu:

- Em pretérito não muito remoto, nosso imprevidente amigo se excedeu em seu potencial de fascínio, desviando-o para aventuras menos dignas. Várias mulheres que lhe sofreram a ação corrosiva, assestaram contra ele incessantes explosões de ódio doentio e corruptor, extravasamentos que o pobre companheiro merecia em conseqüência da atividade condenável a que se dedicou por muitos anos. Minado pela reação persistente, minguou-lhe o cabedal de resistência; converteu-se, destarte, em joguete das forças destrutivas, às quais, a bem dizer, voluntariamente se unira, ao abraçar, entusiasta, a declarada prática do mal. Até quando se demorará em tal atitude, não será possível prever.

Geralmente, ao delinqüirmos, podemos precisar o instante exato de nossa penetração na desarmonia; jamais sabemos, porem, quando soará o momento de abandoná-la. No retorno à estrada reta, através de atoleiros em que chafurdamos, por indiferença e má fé, não podemos prefixar calendários para a volta: implicamo-nos em jogos circunstanciais, de que só nos despeamos após doloroso reajustamento...

Observando-me a admiração, ante a experiência hipnótica que os frios verdugos levavam a efeito, o Assistente considerou:

- Não te impressiones. A morte física não modifica de súbito as inteligências votadas ao mal, nem o duelo da luz com a sombra se adstringe aos estreitos círculos carnais.

Logo após, éramos surpreendidos por dois velhinhos atoleimados, a pronunciar frases desconexas.

- O tempo – elucidou o orientador, indicando-os – acaba sempre por denunciar a nossa posição verdadeira. Quando a criatura não haja feito da existência o sacerdócio de trabalho construtivo, que nos cumpre na Terra, os fenômenos senis do corpo são mais tristes para a alma, pois, neste caso, o indivíduo já não domina as conveniências forjadas pelo imediatismo humano, patenteando-se-lhe a fixação da mente nos impulsos inferiores. Milhões de irmãos nossos permanecem, séculos afora, na fase infantil do entendimento, por não se animarem ao esforço de melhoria própria. Enquanto recebem a transitória cooperação de saúde física relativa, das convenções terrenas, das possibilidades financeiras e das variadas impressões passageiras que a existência na Crosta Planetária oferece aos que passam pela carne, esteiam-se nos títulos de cidadãos que a sociedade lhes oferece; logo, porém, que visitados pelo morbo, pela escassez de recursos ou pela decrepitude, revelam a infância espiritual em que jazem: voltam a ser crianças, não obstante a idade provecta manifestada pelo veículo de ossos, por se haverem excessivamente demorado nos sítios superficiais da vida.

A exposição não podia ser mais lógica; todavia, examinando aquele vasto ambiente, onde tantos loucos de ambos os sexos modorravam distantes do realismo do mundo, sem a mais leve perspectiva de desencarnação próxima, pensei nas criaturas que já renascem imperfeitas e perturbadas; nas criaturas atrasadas e nos moços em luta com a demência juvenil; nas fobias sem numero que amofinam pessoas respeitáveis e prestativas, e solicitei, então, do instrutor esclarecimentos sobre os quadros de sofrimento desse jaez, que de improviso assaltam os ambientes domésticos mais distintos.

O Assistente não se surpreendeu, e observou:

- Estudamos aqui, André, a messe das sementeiras, assim do presente, como do passado. Ponderamos não só a aprendizagem de uma existência efêmera, mas também a romagem da alma nos caminhos infinitos da vida, da vida imperecível que segue sempre, vencendo as imposições e as injunções da forma, purificando-se e santificando-se cada dia. Verificarás, conosco, afligente quadro de padecimentos espirituais, e é provável que aprendas, num hospício humano, algo dos desequilíbrios que afetam a mente desviada das Leis Universais. Em verdade, na alienação mental começa a “descida da alma às zonas inferiores da morte”. Através do manicômio é possível entender, de certo modo, a loucura dos homens e das mulheres que, aparentemente equilibrados no campo social da Crosta Terrestre, onde permutam os eternos valores divinos por satisfações ilusórias imediatas, são relegados depois, além do sepulcro, a inominável desespero do sentimento. Quanto às perturbações que acompanham a alma no renascimento ou na infância do corpo, na juventude ou na senilidade, é mister reconhecer que o desequilíbrio começa na inobservância da Lei, como a expiação se inicia no crime. Adotada a conduta em desacordo com a realidade, encontra o espírito, invariavelmente, em todos os círculos onde se veja, os efeitos da própria ação. Seja nos mecanismos da hereditariedade fisiológica, seja fora de sua influência, a mente, encarnada ou não, revela-se na colheita do que haja semeado, no campo de evolução do esforço comum, no monte da elevação pela prática do sumo bem, ou no vale expiatório pelo exercício do mal.

O Assistente, que se dispunha a retirar-se, fitou-me demoradamente, e rematou:

- O louco, em geral, considerando-se não só o presente, senão até o passado longínquo, é alguém que aborreceu as bênçãos da experiência humana, preferindo agregar-se nos caprichos mentais; e a entidade espiritual atormentada após a morte é sempre alguém que deliberadamente fugiu às realidades da Vida e do Universo, criando regiões purgatórias para si mesmo. Compreendeste?

Fixei o instrutor, reconhecidamente.

Sim, havia entendido. E, ponderando a lição da manhã, segui o orientador, que silente abandonava o campo de observação, a fim de mais tarde nos avistarmos com os benfeitores que visitariam as cavernas, em missão de amor e de paz.

André Luiz, por Chico Xavier
No Mundo Maior
Capítulo 16



PROCESSO  REDENTOR

Retirando-nos do hospital, em a noite que precedeu à desencarnação de Cândida, o Assistente observou:

― Não temos tempo a perder.

Efetivamente, o trabalho de socorro à prezada enferma absorvera-nos algumas horas.

― Nosso esforço ― continuou o prestimoso amigo ―, tem por especial escopo impedir a consumação dos processos tendentes à loucura. A rede de amparo espiritual, neste sentido, é quase infinita. A positiva declaração de desarmonia mental constitui sempre o término de longa luta. Claro está que não incluímos aqui os casos puramente fisiológicos, mormente em se tratando da invasão da sífilis na matéria cerebral; reportamo-nos aos dramas íntimos da personalidade prisioneira da introversão, do desequilíbrio, dos fenômenos de involução, das tragédias passionais, episódios esses que deflagram no mundo, aos milhares por semana. Nas esferas imediatas à luta do homem vulgar, onde nos achamos presentemente, são inúmeras as organizações socorristas dessa natureza. É imprescindível amparar a mente humana na Crosta Planetária, em seus deslocamentos naturais. A vasta escola terrestre exige incessante e complexa colaboração espiritual. Indubitavelmente, a Divina Sabedoria não se descuidou da programação prévia de serviço, neste particular. Se encarregou a Ciência de superintender o desdobramento harmonioso dos fenômenos pertinentes à zona física, se incumbiu a Filosofia de acompanhar essa mesma Ciência, enriquecendo-lhe os valores intelectuais, confiou à Religião a tarefa de velar pelo desenvolvimento da alma, propiciando-lhe abençoadas luzes para a jornada de ascensão. A crença religiosa, todavia, mormente nos últimos anos, tem-se revelado incapaz de tal cometimento: falta-lhe pessoal adequando. Enquanto a edificação científica no mundo se apresenta qual árvore gigantesca, abrigando, em seus ramos refertos de teorias e raciocínios, as inteligências encarnadas, a Religião, subdividida em numerosos setores, dá a idéia de erva raquítica, a definhar no solo. O Amor Divino, porém, não ignora os obstáculos que assoberbam os círculos da fé. Se à investigação do conhecimento basta o valor intelectual, o problema religioso demanda altas possibilidades de sentimento. A primeira requer observação e persistência; o segundo, todavia, implica vocação para a renúncia. À vista disto, colaborando com os trabalhadores decididos, inúmeras legiões de auxiliares invisíveis ao olhar humano se desdobram, em toda parte, socorrendo os que sofrem, incentivando os que esperam firmemente no bem, melhorando sempre. Nosso esforço, portanto, em torno da mente encarnada, é extenso e múltiplo. Forçoso é convir, no entanto, que, se o programa dá motivo a preocupações, é também fonte de prazer. Experimentamos o contentamento de irmãos mais velhos, capazes de prestar auxilio aos mais novos. Indiscutivelmente, somos, em humanidade, uma só família.

Verificando-se pausa natural nos esclarecimentos de Calderaro, indaguei, curioso:

― Como se opera, entretanto, a administração de tais auxílios? Indiscriminadamente?

― Não ― explicou o interpelado ―, o senso de ordem preside-nos à atividade em todas

 as circunstâncias. Quase sempre é a força intercessória que determina os processos de ajuda. A prece, representada pelo desejo não manifestado, pelas aspirações íntimas ou pelas petições declaradas, proveniente da zona superior ou surgida do fundo vale, onde se agitam as paixões humanas, é, a rigor, o ascendente de nossas atividades. Dispunha-me a formular certa pergunta, oriunda de velhas concepções do separatismo religioso, quando Calderaro, percebendo-me a ponderação prestes a exprimir-se, acrescentou, calmo:

― Não aludimos, aqui, a orações ou a aspirações de correntes idealísticas determinadas: o

dístico não interessa. Colaboramos com o espírito eterno em sua ascensão à zona divina, aduzindo novas forças ao bem, onde ele se encontre, independentemente de fórmulas dogmáticas, ou não, com que ele se manifeste nos círculos humanos. Nosso problema não é de favoritismo, senão de espiritualidade superior, mercê da união dos valores substanciais, em favor da vida melhor.

A essa altura das lições que eu recebia em forma de palestra ligeira, enquanto nos movimentávamos em serviço, atingimos residência de aspecto simples, que se distinguia pelo jardim bem cuidado, em toda a volta.

― Temos, aqui ― disse-me, o instrutor ―, indefesso companheiro de outras épocas, reencarnado em dolorosas condições. De algumas semanas para cá, assisto-lhe a mãezinha através de passes reconfortantes. Em virtude da horrível estrutura orgânica do filho, a ela encadeado há muitos séculos, a razão da pobrezinha está periclitando; prendem-se mùtuamente por grilhões de graves compromissos. Considerando-lhe o nobre costume da oração em horário prefixado, valemo-nos dessas ocasiões para vir-lhe em amparo.

Admirando a ordem instituída para os quefazeres de nosso plano, e que transparecia nas mínimas ações, silenciosamente acompanhei Calderaro ao interior doméstico.

Em rápidos minutos achávamo-nos em pequena câmara, onde magro doentinho repousava, choramingando. Cercavam-no duas entidades tão infelizes quanto ele mesmo, pelo estranho aspecto que apresentavam. O menino enfermo inspirava piedade.

― É paralítico de nascença, primogênito de um casal aparentemente feliz, e conta oito anos na existência nova ― informou Calderaro, indicando-o ―; não fala, não anda, não chega a sentar-se, vê muito mal, quase nada ouve da esfera humana; psìquicamente, porém, tem a vida de um sentenciado sensível, a cumprir severa pena, lavrada, em verdade, por ele próprio. Há quase dois séculos, decretou a morte de muitos compatriotas numa insurreição civil. Valeu-se da desordem político-administrativa para vingar-se de desafetos pessoais, semeando ódio e ruínas. Viveu nas regiões inferiores, apartado da carne, inomináveis suplícios. Inúmeras vítimas já lhe perdoaram os crimes; muitas, contudo, seguiram-no, obstinadas, anos afora... A malta, outrora densa, rareou pouco a pouco, até que se reduziu aos dois últimos inimigos, hoje em processo final de transformação. Com as lutas acremente vividas, em sombrias e dantescas furnas de sofrimento, o desgraçado apresentou-se para esta fase conclusiva de resgate; conseguiu, assim, a presente reencarnação com o propósito de completar a cura efetiva, em cujo processo se encontra, faz muitos anos.

A paisagem era triste e enternecedora. O doente, de ossos enfezados e carnes quase transparentes, pela idade deveria ser uma criança bela e feliz; ali, entretanto, se achava imóvel, a emitir gritos e sons guturais, próprios de esfera sub-humana.

Com o respeito devido à dor e com a observação imposta pela Ciência, verifiquei que o pequeno paralítico mais se assemelhava a um descendente de símios aperfeiçoados.

― Sim, o espírito não retrocede em hipótese alguma ― explicou Calderaro ―; todavia, as formas de manifestação podem sofrer degenerescência, de modo a facilitar os processos regenerativos. Todo mal e todo bem praticados na vida impõem modificações em nosso quadro representativo. Nosso desventurado amigo envenenou para muito tempo os centros ativos da organização perispiritual. Cercado de inimigos e desafetos, fruto da atividade criminosa a que se consagrou voluntariamente, permanece quase embotado pelas sombras resultantes de seus tremendos erros. No campo consciencial, chora e debate-se, sob o aguilhão de reminiscências torturantes que lhe parecem intérminas; mas os sentidos, mesmo os de natureza física, mantêm-se obinubilados, à maneira de potências desequilibradas, sem rumo... Os pensamentos de revolta e de vingança, emitidos por todos aqueles aos quais deliberadamente ofendeu, vergastaram-lhe o corpo perispiritual por mais de cem anos consecutivos, como choques de desintegração da personalidade, e o infeliz, distante do acesso à zona mais alta do ser, onde situamos o <<castelo das noções superiores>>, em vão se debateu no <<campo do esforço presente>>, isto é, à altura da região em que localizamos as energias motoras; é que os adversários implacáveis, apegando-se a ele, através da influência direta, compeliram-lhe a mente a fixar-se nos impulsos automáticos, no império dos instintos; permitiu a Lei que assim acontecesse, naturalmente porque a conduta de nosso infortunado irmão fora igual à do jaguar que se aproveita da força para dominar e ferir. Os abusos da razão e da autoridade constituem faltas graves ante o Eterno Governo dos nossos destinos.

O estimado Assistente fitou-me com seus olhos muito lúcidos e perguntou:

― Compreendeste?

Como desejasse ver-me suficientemente esclarecido, acrescentou:

― Espiritualmente, este pobre doente não regrediu. Mas o processo de evolução, que constitui o serviço do espírito divino, através dos milênios, efetuado para glorioso destino, foi por ele mesmo (o enfermo) espezinhado, escarnecido e retardado. Semeou o mal, e colhe-o agora. Traçou audacioso plano de extermínio, valendo-se da autoridade que o Pai lhe conferira, concretizou o deplorável projeto e sofre-lhe as conseqüências naturais de modo a corrigir-se. Já passou a pior fase. Presentemente, já se afastou do maior número de inimigos, aproximando-se de amoroso coração materno, que o auxilia a refazer-se, ao término de longo curso de regeneração.

Reparando a estranha atitude dos infelizes desencarnados que o seguiam, pretendia indagar algo relativamente a eles, quando Calderaro veio ao encontro de meus desejos, continuando:

― Também os míseros perseguidores são duendes do ódio e da vingança, como o nosso enfermo é um remanescente do crime. São náufragos na derradeira fase de salvação, após enorme hecatombe no mar da vida, onde se perderam por muitos anos, por incapazes de usar a bússola do perdão e do bem. Aproximam-se,porém, do porto socorrista. Voltarão ao Sol da existência terrestre, por intermédio de um coração de mulher que compreendeu com Jesus o valor do sacrifício. Em breve, André, consoante o programa redentor já delineado, ingressarão neste mesmo lar na qualidade de irmãos do antigo adversário. E quando entrelaçarem as mãos sobre ele, consumindo energias por ajudá-lo, assistidos pela ternura de abnegada mãe, amorosa e justa, beijarão o velho inimigo com imenso afeto. Transmudar-se-ão as negras algemas do ódio em alvinitentes liames de luz, nos quais refulgirá o amor eterno. Chegado esse tempo, a força do perdão restituirá nosso doente à liberdade; largará ele, qual pássaro feliz, este mirrado corpo físico, sufocante cárcere do crime e suas conseqüências, onde se debateu por quase dois séculos. Até lá, importa zelar com empenho pela valorosa mulher que é essa, vestalina senhora deste lar, em quem as Forças Divinas respeitam a vocação para o martírio, por iluminar a vida e enriquecer a obra de Deus.

Mal terminava Calderaro as elucidações, quando um dos verdugos desencarnados se moveu e tocou com a destra o cérebro do doentinho, recomendando-me o Assistente examinasse os efeitos desse contacto.

Extrema palidez e enorme angústia transpareceram no semblante do paralítico. Notei que a infeliz entidade emitia, através das mãos, estrias negras de substância semelhante ao piche, as quais atingiam o encéfalo do pequenino, acentuando-lhe as impressões de pavor.

Dirigi ao Assistente um olhar interrogativo, e Calderaro informou:

― Se o amor emite raios de luz, o ódio arremessa estiletes de treva. Nos lobos frontais recebemos os <<estímulos do futuro>>, no córtex abrigamos as <<sugestões do presente>>, e no sistema nervoso, propriamente dito, arquivamos as <<lembranças do passado>>. Nosso pobre amigo está sendo <<bombardeado>> por energias destrutivas do ódio na região de <<serviços do presente>>, isto é, em suas capacidades de crescimento, de realização e de trabalho nos dias que correm. Tal situação, derivante da culpa, compele-o a descer mentalmente para a zona de <<reminiscências do passado>>, onde o seu comportamento é inferior, raiando pela semi-inconsciência dos estados evolucionários primitivos. Esmagadora maioria dos fenômenos de alienação psíquica procedem da mente desequilibrada. Repara o cosmo orgânico.

O doentinho, da aflição, em que se mergulhara, passou às contorções, evidenciando todos os característicos da idiotia clássica. Os órgãos revelavam agora estranhos deslocamentos. O sistema endócrino patenteava indefiníveis perturbações.

Compadecido, inclinou-se o instrutor sobre o doente, e esclareceu:

― Os raios destrutivos alcançam-lhe a zona motora, provocando a paralisação dos centros da fala, dos movimentos, da audição, da visão e do governo de todos os departamentos glandulares. Na verdade, essa dolorosa situação cronificou-se, pela repetição desta ocorrência milhares de vezes, em quase duas centenas de anos.

Fez intervalo significativo e tornou:

― Examina a conduta do enfermo. Fixando a mente na extrema <<região dos impulsos automáticos>>, seu padrão de comportamento é efetivamente sub-humano. Volta a viver estados primários, dos quais a individualidade já emergiu a muitos séculos. Em outros casos menos graves, a medicina atual vem utilizando a terapêutica do choque, à maneira do experimentador que investiga nas sombras, examinando efeitos e ignorando as causas. Cumpre-nos, no entanto, reconhecer que o belo esforço da psiquiatria moderna merece o maior carinho de nossas autoridades espirituais, que patrocinam os médicos diligentes e devotados, orientando-os para o bem comum, simultâneamente em diversos centros culturais; por enquanto, não podem aceitar a verdade como seria de desejar, em virtude da necessidade de guardar-se a medicina terrena em campo conservador, menos aberto aos aventureiros; todavia, mais tarde os sacerdotes da saúde humana compreenderão que o choque elétrico, ou a hipoglicemia, provocada pela invasão da insulina, constituem apelos vivos aos centros do organismo perispirítico, convocando-os ao reajustamento e compelindo os neurônios a se readaptarem para o serviço da mente em processo regenerador. A bem dizer, é de notar que esse recurso às reservas profundas do cosmo psíquico não é novo. Outrora, as vítimas da loucura eram conduzidas a poços de víboras, a fim de que a aborrível comoção operasse a transformação súbita da mente desequilibrada; é que, desde remota antiguidade, compreendeu o homem, intuitivamente, que a maioria dos casos de alienação mental decorrem da ausência voluntária ou involuntária da alma à realidade. E, em nosso campo de observação mais clara, podemos adir que todo desequilíbrio promana do afastamento da Lei.

Silenciou Calderaro por alguns instantes e, em seguida, indicou o pequeno, acentuando:

― Neste caso, porém, o choque aplicado pela ciência dos homens não surtiria vantagem alguma. Estamos perante o eclipse total da mente, pela total ausência da Lei com que se conduziu o interessado no socorro. A retificação, aqui, reclama tempo. As águas pantanosas do mal, longamente represadas no coração, não se escoam facilmente. O plano mental de cada um de nós não é vaso de conteúdo imaginário: é repositório de forças vivas, qual o veículo físico de manifestação, que nos é próprio, enquanto peregrinamos na Crosta Planetária.

― Não estamos, porém, cientificamente falando ― indaguei ―, diante de um caso típico de mongolismo?

O Assistente respondeu sem se embaraçar:

― Acompanhamos um fenômeno de desequilíbrio espiritual absoluto. Em situações raríssimas, teremos perturbações dessa natureza com causas substancialmente fisiológicas. Impossível é desconhecer, na esfera carnal, o paralelismo psico-físico. Quem vive na Crosta Terrestre terá sempre a defrontar com a forma perecível, em primeiro lugar. Daí, não podermos excluir da patologia da alma o envoltório denso, nem menosprezar a colaboração dos fisiologistas abnegados, que atentos se dedicam às investigações da fauna microscópica, do reajustamento das formas, do quadro dos efeitos. Não nos esqueçamos, contudo, que analisamos agora o domínio das causas...

O desvelado amigo parecia disposto a prosseguir, dilatando-me os conhecimentos a respeito do assunto, quando ouvimos passos de alguém que e aproximava. Certo, a dona da casa vinha ao aposento da criança, à procura do socorro da oração.

Concluiu Calderaro, apressadamente:

― Nossos companheiros da medicina humana batizam as moléstias mentais como lhes apraz, detendo-se nas questões da periferia, por distraídos dos problemas fundamentais do espírito. Relativamente aos assuntos científicos, conversaremos amanhã, quando prestaremos assistência a jovem amigo.

Nesse momento, a mãezinha, que ainda não contava trinta anos, acercou-se do enfermo, sem se dar conta de nossa presença espiritual. Estacou, tristonha, de pé junto ao berço, afagando-lhe a fronte aljofrada de suor, ao termo das contorções finais. Afastou a colcha rendada, levantou-o, cuidadosa, e abraçou-o, ungindo-o com o mais terno dos carinhos.        

O menino aquietou-se.

Logo após, a genitora entrou a orar, banhada em lágrimas, afigurando-se-me um cisne da região espiritual a desferir maravilhoso cântico.

Enquanto Calderaro operava, reparando-lhe as forças nervosas em verdadeira transfusão de fluidos sadios que o dedicado colaborador transferia de si próprio, eu, de minha parte, acompanhava com vivo interesse a prece maternal.

A jovem senhora entremeava de ponderações humanas a cordial rogativa.

Porque não a ouvia o Senhor, nos Altos Céus, permitindo um milagre que restituísse o filhinho ao equilíbrio tão necessário? Casara-se, havia nove anos, sonhando um jardim doméstico, repleto de rebentos felizes; entretanto, a primeira flor de suas aspirações femininas ali se encontrava irônicamente aberta, numa fácies horrível de monstruosidade e de sofrimento... Porque, interrogava súplice, nasciam crianças na Terra com a destinação de tamanha angústia? Porque o martirológio dos seres pequeninos? Em vão percorrera gabinetes médicos e ouvira especialistas. Sempre as mesmas decepções, os mesmos desenganos. O filhinho parecia inacessível a qualquer tratamento. Sentia-se frágil e extenuada... E chorava, implorando a bênção divina, para que as energias lhe não faltassem na luta.

Calderaro, finda a tarefa que lhe competia, acercou-se de mim, perguntando:

― Desejas responder à rogativa, em nome da Inspiração Superior?

Oh! não! Declinei de tal convite alegando que isso me era de todo impraticável, depois de haver ouvido Irmã Cipriana renovando corações com o verbo inflamado de amor.

Objetou o orientador num gesto bondoso:

― Aqui, porém, não falaremos a corações que odeiam, e sim a torturado espírito materno, que reclama estímulo fraternal. O conhecimento e a boa vontade podem fazer muito.

Sorriu, benevolente, e acrescentou:

― Ao demais, é necessário diplomar-nos também na ciência do amor. Para isso, comecemos a ser irmãos uns dos outros, com sinceridade e fiel disposição de servir.

Agradeci, comovido, a deferência, mas esquivei-me. Falaria ele mesmo, Calderaro. Minha condição era a do aprendiz. Ali me encontrava para ouvir-lhe as sublimes lições.

O abnegado amigo colocou as mãos sobre os lobos frontais dela, como atraindo a mente materna para a região mais elevada do ser, e passou a irradiar-lhe tocantes apelos, como se lhe fora desvelado pai falando ao coração. Fundamente sensibilizado, assinalava-lhe as palavras de ânimo e de consolação, que a afetuosa mãezinha recebia em forma de idéias e sugestões superiores.

Notei que a disposição íntima da jovem senhora tomava pouco a pouco um renovado alento. Observei que na epífise lhe surgira suave foco de claridade irradiante e que de seus olhos começaram a brotar lágrimas diferentes. A claridade branda, fluindo do cérebro, desceu para o tórax, de onde, então, se evolaram tênues fios de luz que a ligaram ao filhinho infeliz. Contemplou o pequeno, agora calmo, através do espesso véu de pranto e ouvi-lhe os pensamentos sublimes.

Sim, Deus não a abandonaria ― meditava; dar-lhe-ia forças para cumprir até ao fim o cometimento que tomara a ombros, com a beleza do primeiro sonho e com a ventura da primeira hora. Sustentaria o desventurado rebento de sua carne, como se fora um tesouro celeste. Seu amor avultaria com os padecimentos do filhinho muito amado; seus sacrifícios de mãe seriam mais doces, toda vez que a dor o visitasse com maior intensidade. Não era ele mais digno de seu devotamento e renúncia pela aflitiva condição em que nascera? Os filhos de antigas companheiras eram formosos e inteligentes, como botões perfumados da vida, prometendo infinitas alegrias no jardim do futuro; também seu pequenino paralítico era belo, necessitando, porém, de mais blandícia e arrimo. Saberia Deusa porque viera ele ao mundo, sem a faculdade da palavra e sem manifestações de inteligência. Não lhe bastaria confiar no Supremo Pai? Serviria ao Senhor sem indagar; amaria seu filho pela eternidade; morreria, se preciso fora, para que ele vivesse.

Num transporte de indefinível carinho, a jovem mãe inclinou-se e beijou o doentinho nos lábios, com o júbilo de quem osculasse um anjo celestial. Vi, surpreendido, que numerosas centelhas de luz se desprendiam do contacto afetivo entre ambos e se derramavam sobre as duas entidades inferiores; estas, de sua parte, se inclinaram também, como que menos infelizes, perante aquela nobre mulher que mais tarde lhes serviria de mãe.

Calderaro tocou-me de leve o ombro e informou:

― Nosso trabalho de assistência está findo. Vamo-nos.

E, indicando mãe e filho juntos, concluiu:

― Examinando essa criança sofredora como enigma sem solução, alguns médicos insensatos da terra se lembrarão talvez da <<morte suave>>; ignoram que, entre as paredes deste lar modesto, o Médico Divino, utilizando um corpo incurável e o amor, até o sacrifício, de um coração materno, restitui o equilíbrio a espíritos eternos, a fim de que sobre as ruínas do passado possam irmanar-se para gloriosos destinos.

André Luiz, por Chico Xavier
No Mundo Maior
Capítulo 7